Pensar faz mal à saúde

Quando, agora, vejo e ouço falar de manifestações públicas, de rebeliões de massa, de campanhas pelo retorno da e à ditadura – nem me indigno, nem me rebelo. Canso, canso-me. Nem sequer recorro à generosidade do Filho em súplica ao Pai: “Perdoai-os, eles não sabem o que fazem.” Não, não, recuso-me a acusar as massas revoltosas de tolas, de ignorantes, de irresponsáveis. A reação desesperada não é fruto da inteligência, do saber, da fé. É o desespero da carne, da fome, do desamparo, da paciência. É a falta daquilo em quê ou em quem ainda crer. Nem mais Deus ou deuses conseguem  acalmar  os famintos de pão. O estoque de maná, que caiu dos céus, acabou…

Quando ouço e leio os que dizem ser, isso tudo, um atentado à democracia, aí, sim, indigno-me. Pois lhes pergunto: que democracia, qual? Por Deus: democracia não é dogma de fé, não é realidade consumada. Democracia é uma entidade viva e, portanto, em construção. Nenhum empreiteiro irá fazer um alicerce de palha para sustentar um edifício gigante. Apenas os tolos edificam “a casa na areia, pois o vento a levará”. Foi o que aconteceu em nosso país logo após a ditadura militar. Aquela a que Ulisses Guimarães chamou de “a Constituição Cidadã” foi construída não em terreno apenas arenoso, mas em areia movediça. E começou a balançar desde a sua inauguração. Os constituintes de então não elaboraram um princípio, mas um meio. A consequência natural é óbvia: sem princípio, a casa cai.

Dói na alma ver parte do povo pedindo ditadura. Seria uma tragédia se tal desgraça ocorresse novamente. Mas esse grito louco resulta do desespero, não de um querer consciente. O grito de quem não tem mais nada a perder. Ver um filho com fome, doente, sem roupa, sem medicamentos, sem abrigo, sem esperança? Somente alguém já louco não enlouqueceria! Estamos diante de milhões e milhões de pessoas mentalmente sãs enlouquecendo. A humanidade já viu esse drama ao longo de todos os séculos. O exercício da tirania, como solução, redundou em desastres ainda maiores. Que ninguém se esqueça de que, na história, ditadores, reis, poderosos, tiranos começaram, quase sempre, como pequenos bandidos. E se tornaram chefes de quadrilhas. E se julgaram donos do mundo.

É o momento, ainda outra vez, de pensar e repensar, de refletir e tomar novas decisões. Se o mundo mudou, o homem há, também, que mudar. Ainda não aprendemos  ser “melhor perder os anéis do que perder os dedos?” Pensar em repartição, nem que seja por falsa solidariedade. Estamos diante do princípio do fim e – pior ainda –  diante do fim do princípio. O sonho acabou. Poderia ser um bem, se voltássemos a pensar, a pensar muito. Mas quase todos os meios de comunicação continuam advertindo-nos que pensar faz mal à saúde. E, assim, pensam por nós. Um pensamento único.

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