Retorno (1)

getulio_vargasEle nasceu no ano mais dramático da II Guerra Mundial. Ao eco dos sons distantes de fuzis, bombas, granadas. Ao cheiro de sangue, suor e lágrimas. Era, pois, para ele, um mundo de horrores. Por que e para quê, então, ter nascido? Melhor não seria ter ficado no silêncio e no aconchego do ventre da mãe? Viver é lutar. Brigar. Competir. Guerrear. Guerras sem fim. Essa a visão, no seu comecinho de tudo, do significado de nascer. E, certamente, com um destino: reformar, reconstruir, refazer. Foi o que entendeu.

Mas havia belezas sem fim. Maravilhas. Um paraíso, o jardim ao lado do qual ficava a casa onde nascera. As pessoas, caminhando, cumprimentavam-se. Homens tiravam os chapéus, respeitosos, à passagem de mulheres, de idosos. Crianças barulhentas brincavam de esconde-esconde. E ele, com elas.  Não se pisava na grama. Pois o jardim era como que um lugar sagrado. Árvores, flores, um repuxo de mármore jorrando água cantante, passarinhos, bancos de madeira, calçadinhas enfeitadas. Um dia, porém, aconteceu. Um prefeito decidiu transformar, reformar o jardim.  E passou a derrubar árvores, a destruir tudo com um trator. Homens martelaram pedras. E serraram troncos e galhos. Lá estava, novamente. Também lá: o Paraíso Perdido. Viver era destruir. Ao pretexto de reformar.

O adolescente teimou em continuar. Conheceu mulher, descobriu o amor. A  paixão queimava-lhe a  carne ao  explodir dos hormônios. Apaixonava-se por tudo. Por todas. Estrelas do cinema deslumbravam-no. E, em especial, Ava Gardner, a mais bela do mundo. Ah! Ava. Ave, Ava. Encapava os cadernos com fotos dela. E, também com fotos, enfeitava as paredes do  quarto. Assim, dormia com Ava. E despertava com Ava. O mundo era, também, amor. Admitiu, com Ava e a destruição do jardim, poder, a vida,  ser opção. Escolha. O belo ou o feio?

Surgiu, então, o horror. Um outro horror. 1954. Getúlio Vargas, ícone do povo, suicidava-se. Foi quando tomou sua própria decisão. A de enfrentar horrores. A de transformar, sim, o Brasil. A de impedir que se continuasse a destruição de jardins. De sonhos. De alegrias. De esperanças. Quis ser D. Quixote. Mesmo sem Desdêmona e Sancho Pança. Mas o adolescente não se dera conta de os adversários serem apenas moinhos de vento… Lutou e lutou em vão. E lutou ainda mais quando conheceu Luiz Carlos Prestes. Que lhe deu uma foto. Que ele guarda até hoje. Diante de seus olhos. Prestes e Quixote, lado a lado. Heróis e ícones que, pouco tempo depois, foram substituídos por Che Guevara. Guevara… Lá estava, com barbas lindas, o novo Cristo. Mas um outro Cristo. Também revolucionário, com armas verdadeiras nas mãos. Quis deixar crescer a barba. O pai, porém, ameaçou, se o fizesse, de expulsá-lo de casa. Decidiu, então, fazer sua própria guerra.   (Acabou o espaço. Continua.)

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