Um amargo conselho e o beija-flor
Tenho duas filhas que moram nos Estados Unidos. Ambas, levadas pela paixão aos estudos, ao conhecimento. A caçula – hoje, com 44 anos – descobriu o amor e trocou a ciência pela maternidade. A outra – agora, com 49 anos – casou-se com a ciência e mantém viva sua paixão. Doutora pela USP, fez pós-doutorado em Harvard sendo, em seguida, contratada como professora e pesquisadora. A Universidade do Texas foi buscá-la e, pouco tempo depois, a Universidade de Michigan seduziu-a com promessas, cumpridas, de largas possibilidades na área de pesquisas biológicas. E lá está ela, feliz, ganhando respeito e admiração, mas com um sonho mais amplo: retornar ao Brasil. E, então, levar seu conhecimento a alguma universidade do Nordeste.
A paixão cívica dessa ainda menina para mim é comovedora. Como um soldado em tempos de guerra, ela quer servir à sua pátria. “Pai – ela me fala – eu quero devolver, a meu país, tudo o que ele me deu.” Disso, sempre me orgulhei, como se me fortalecesse a consciência de ter criado e educado cidadãos lúcidos em relação à sua pátria e a sua gente. Mas…
…no último domingo – ao ver o circo de horrores acontecendo na Câmara Federal – minha alma foi ferida de morte. Não se tratava do impeachment – de ser a favor ou contra – mas da constatação da realidade desesperadora da política brasileira. Medíocre e vulgarmente desesperadora. O ex-ministro Joaquim Barbosa – transformado em herói nacional – manifestou-se: “É de chorar de vergonha!” De meu pequenino lugar, não foi apenas vergonha o que senti. Foi mais, algo definitivo, desesperador. Foi a certeza de que – com tal classe política, medíocre e vulgar – não há esperança para o Brasil, a mínima esperança.
Foi quando, angustiada, minha filha bióloga me telefonou. Queria saber dos acontecimentos, do que os partidos políticos e seus comandados realizavam para a pátria de seus sonhos. Encontrou-me quase mudo, o silêncio dos assustados. Queria, ela, a opinião do pai, o jornalista de tantas lutas e que vivera tantas esperanças. Ora, não sou homem de dar conselhos. Dei-os, a meus filhos, durante a infância e parte da adolescência. Dei-os, muitos, na responsabilidade paterna de orientá-los para a vida. Mas, já na adolescência deles, substituí conselhos por sugestões, pois eles já queriam construir suas próprias vidas. E tem sido assim até hoje. Ou foi, até domingo.
Pois tive a tristeza de dar – à filha querida, com tanta fé em seu país – o mais amargo, doloroso e melancólico conselho: “Minha filha. Não volte para o Brasil, querida. Fique por aí. O Brasil, querida, desmoronou.”
Sinto, ainda agora, o amargor disso tudo. Desesperar-me de meu país, desencantar-me dele é roubar-me quase toda a alma. E não se trata de Dilma ou de Aécio, de PT ou PSDB, destes ou daqueles. Trata-se de toda uma miserável realidade política, como se o Congresso Nacional – pelo menos pela Câmara dos Deputados – se tornasse o grande bordel brasileiro, o mercado de compra e de vendas, o espaço ideal para reunir a vulgaridade, a mediocridade, a incivilidade, a baixaria. Diz-se que o Legislativo é o verdadeiro poder popular e, por isso, a “casa do povo”. Não posso acreditar nisso, pois seria como aceitar – por opção final – o suicídio coletivo. O espetáculo no plenário foi sórdido. O verdadeiro Brasil – escondido em algum lugar – não merece isso.
Eles não têm mais direito sequer de julgar Eduardo Cunha por “falta de decoro”. Não se fala em decoro onde não há compostura. Tais figuras indecentes, a quem representam? Deixamos um projeto de nação, transformamo-nos em múltiplas tribos com interesses próprios. Aquele muro de Brasília – isolando as multidões – é a vergonhosa demonstração de um separatismo difícil de ser superado. Aconteceu o mesmo em partidas de futebol: torcidas únicas para não haver guerra. Acontece nas diferenças de classe, de bairros: CUT vs FIESP; Higienópolis contra Paraisópolis; jardins contra favelas; ricos contra pobres; “nós” contra “eles”. Pobres são mortadelas; ricos são coxinhas. Sai Dilma, entra Temer. E daí?
Não há mais solução coletiva. Sobrou, apenas, a individual, como na historieta da floresta pegando fogo. O beija-flor ia e voltava, uma gota d´água no bico, enfrentando o fogo. O elefante zombou: “Se eu, com minha enorme tromba não consigo, como você irá consegui-lo?” O beija-flor apenas respondeu: “Eu faço a minha parte.”
Vou continuar fazendo a minha. A de um velho, à beira da estrada, contando – a quem passa – um advertência de Drumond, “tem uma pedra no meio do caminho”. Só que direi: “tem lixo no meio do caminho, no meio do caminho tem lixo, tem lixo no meio do caminho.” Palavras ao vento…