Um bispo na berlinda

BerlindaA fé, para mim, assemelha-se a um mar inquieto. Ora sereno, calmo, de ondas suaves e confortantes. Ora turbulento, com marés desafiadoras, que o fazem corcovear, ondas devastadoras. Nesse mar, navego, espiritualmente, com o meu barquinho frágil, dependendo das ondas, ao sabor de brisas e de temporais. Minha fé balança entre a paz da aceitação e o vazio da descrença.

Naveguei por muitos mares em busca de porto seguro para meu barquinho indefeso. Desde criancinha, a existência de Deus perturbava-me. Eu, deitado numa rede, via formiguinhas passando e, observando-as, fazia uma infantil analogia com Deus: se eu tinha poder sobre as formigas, alguém ou algo maior, muito maior, também deveria ter o poder sobre mim.

O fato é que a angústia de Deus sempre me perseguiu. Naveguei e naveguei por esses mares revoltos da fé e das religiões. Mergulhei – com apetite imenso – no estudo das religiões, na ciência e na história delas. Fui parar nas cavernas, o homem adorando Sol, Lua, animais. E, de lá, caminhei pelos séculos tentando entender a evolução humana diante de suas divindades. Fui apresentado a Rama, a Brahma, ao panteão grego, aos vedas, celtas, a Krishna, a Platão, a Pitágoras, a Moisés, a tantos e tantos até chegar a Cristo. “Ecce Homo” – pude sentir. E me convenci de ser, Cristo, a grande resposta às aspirações da humanidade. E, finalmente, de – apesar de suas misérias humanas – ser a Igreja Católica a guardiã de um tesouro total.

Na verdade, admiro o mistério da Igreja Católica também por suas infindáveis misérias, pela corrupção, pelo oportunismo, pequenezes que lhe deram uma vantagem especialíssima: a sabedoria. Divina e humana, santa e pecadora, eis como ela se autoqualifica. Mais humana ou mais divina? Mais santa ou mais pecadora? Não sei. No entanto, a minha admiração e o meu respeito alimentam-se desse mistério que acaba esbarrando no Espírito Santo: como pode uma instituição com tantas falhas e horrores sobreviver a tudo isso, entrando no seu terceiro milênio de existência? Como pode uma igreja, com tantos chefes cruéis e falsos, continuar existindo a ponto de oferecer, ao mundo – num tempo turbulento como o atual – um homem como Francisco, o papa? Como pode, em sendo humanamente tão frágil, ser a guardiã de toda a cultura ocidental?

Trata-se, novamente, do “mysterium tremendum”. E eu – ainda navegando, querendo ficar e, ao mesmo tempo, fugindo – desejo acreditar, ter fé sólida, vivê-la mais no coração do que na razão, mais na sabedoria dos simples do que na pretensão dos teólogos. A história da Igreja é uma narrativa de crenças, de fé, de esperança num mundo novo, precisando ser entendida no seu conteúdo revelador e não nas fábulas e lendas fantasiosas. Aliás, é preciso entender os mitos e o que eles são. Entender as metáforas. E isso pode levar uma vida.

Reflito – perplexo – em relação às gravíssimas denúncias contra o bispo Fernando Mason, da Diocese de Piracicaba. É um dossiê alarmante que vem a público a respeito do sr. “Episcopus”. Está sendo enviado, com a assinatura de pessoas que se identificam, a cidadãos, a entidades, divulgado pela internet e com a afirmação de ter sido endereçado também ao Papa Francisco. Não me atrevo a reproduzi-lo, até mesmo pelo respeito ao direito de defesa do sr. Fernando Mason. Mas, como pessoa humana, sinto-me no direito de pretender, do bispo, uma explicação. É o mínimo que ele deve fazer, em respeito ao povo e a si mesmo: explicar-se. São verdadeiras ou caluniosas as graves e vergonhosas denúncias?

Pela tradição e estrutura jurídica católicas, um bispo é o que tem a plenitude do sacerdócio, considerado herdeiro dos apóstolos. Ele é o guardião da fé, guardião e protetor da diocese e dos diocesanos. É ele quem carrega símbolos ditos sagrados dos cristãos: o báculo, o anel, a mitra, a cruz peitoral. Ou um homem assume essa dignidade sacerdotal – levado por sua dignidade pessoal – ou, se não o fizer, será apenas um farsante. O sr. Fernando Mason é um bispo na berlinda. Desde a sua chegada, ele angaria antipatias, discórdias e amarguras. Colocou-se apenas como administrador, esquecendo-se de ser pastor.

As denúncias que o massacram tão gravemente – um terremoto sobre a igreja doméstica de Piracicaba – têm que ser enfrentadas. Se verdadeiras, que ele se afaste. Se caluniosas, que ele busque a justiça dos homens. É aterradora a hipótese de que – enquanto Francisco alimenta o mundo de esperanças e de generosidade – ainda possa haver, no clero e no laicato consciente, quem o ignore com tanta desfaçatez.

Fernando Mason não pode ignorar as terríveis acusações que, aberta e publicamente, lhe estão sendo, feitas. Não se trata de denúncias anônimas, irresponsáveis. Seus autores estão levando-as a outras autoridades eclesiásticas, pretendendo chegar ao Vaticano. Fernando Mason deve explicações à comunidade onde atua. Pelo menos, para não ser identificado como um Bórgia numa diocese caipira.

1 comentário

  1. Antonio Carlos em 17/04/2016 às 12:18

    Se eu tivesse tido a coragem de deixar minha família, amigos; minha terra e minha cultura para vir do outro lado do mundo por causa do Evangelho; e tivesse tido a graça de atingir a plenitude do sacerdócio que é o episcopado, gostaria de fazer de tudo para honrar tão sublime vocação, tão honroso chamado. Caso não conseguisse, o que não seria nenhum demérito, gostaria que Deus me desse a graça e novamente a coragem de sair de campo. Nosso bispo deve ter muitas qualidades, mas pastor que cuida das ovelhas e se preocupa com as desviadas; profeta que denuncia injustiças e anuncia a VERDADE; pai que acolhe, defende, exorta; e exemplo de seguidor de Jesus que não é.

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