Namoradinha do amigo meu

Excursão ao Barranco dos Pisões - 1950Viver vive-se vivendo (22)

Já quase ao final da primeira década do século 21, como pretender que os jovens, agora, entendam – sem que se tomem de sustos e de risos – como eram e foram os namoros em meados do século 20, nos 1950? Penso e lembro sem rir-me. Com saudade, nostalgias e pontadas suaves de doçuras no coração. E a saudade, por incrível pareça, não é de um tempo, nem do que aconteceu, de como foi. É saudade de mim, de uma pureza que – pensasse, eu, estivesse morta – sobrou íntegra no mais fundo da alma. Sinto, agora, ter sido a preservação de um tesouro o que me manteve com esperanças na vida. E diante do mundo.

Mais do que um baú, sinto ser um relicário precioso o que guardo comigo. E que me torna balsâmica a consciência de, agora, ser o momento e, também, a oportunidade de contar. Na verdade, mais do que balsâmica, são graças, bênçãos. Pois percebo, chegando quase ao fim da jornada, sobrarem-me forças, energia e ânimo para encerrar meu tempo na condição de contador de histórias, alguém que conseguiu passar muitas vezes pelo tempo, ou por quem, muitas vezes, o tempo passou. Ora, ainda não sei, apesar de tanto ter vivido: é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele? A revelação platônica ainda me perturba: “tempo, imagem móvel da eternidade.” Móvel ou imóvel? Ou a própria eternidade, que vislumbramos apenas tão brevemente?

Tenho, hoje, certeza de o amor eletrizar as pessoas da mesma forma, sempre. Nada muda, a não ser o contexto. Ainda neste início de século 21, vi um garoto de 14 anos apaixonar-se num repente, num olhar. Ele me disse ter tremido, os joelhos bambeando, o coração aos saltos, o estômago em frangalhos, a sensação de náusea. Ora, acontecia-nos o mesmo, a nós, adolescentes naqueles meados dos 1950, quando se falava em “beat”, “beatniks”, antecedendo a chegada dos Beatles, mas já com Bill Haley e seus cometas, Elvis Presley fazendo o mundo girar mais rápido. E, no cinema, Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift, Brigite Bardot com sua nudez agora tão inocente e pudica. Quem, dessa geração, pode acreditar que James Dean morreu em 1955? Pois foi ele, Jimmy, quem nos deixou uma herança que parece permanecer: “Se eu tivesse 100 anos para viver, seria pouco para o tanto que eu quero fazer.”

O amor, pois, eletrizava, como ocorreu, também, com Romeu e Julieta, Sansão e Dalila, Davi e Betsabá. E com Adão e Eva. Neste início dos 2000, há receios de amar. Mas o amor ainda faz doer o estômago, tremer os joelhos. E foi o que me aconteceu, naquela manhã de domingo de 1954, quando observei mais atentamente o jeito, o sorriso, o encanto da menina Mariana, à entrada da missa das 8h. na Igreja do Bom Jesus. Tínhamos 14 anos. E, à missa, lá estávamos, minha turma e eu, cumprindo obrigação dos alunos salesianos à época: quem não participasse da missa dominical do Colégio Dom Bosco, teria que mostrar presença em uma das igrejas da diocese, levando a caderneta para ser assinada pelo celebrante. Risível? Hoje, sim. Mas, em 1954 – com a Igreja de Pio XII, mesmo já abalada pelos primeiros anos do Pós-Guerra – era outra imposição a ser enfrentada por uma nova adolescência.

Naquela manhã, a menina Mariana fez-me tremer, a dor no estômago. Foi-me estranha mas inesquecível a sensação, tão inesquecível que a guardo em meu relicário ainda hoje, passados mais de 50 anos. Nós já nos conhecíamos: eu já tinha um namorico com Lurdinha, amiga dela. E, para que a menina Mariana não nos atrapalhasse, apelei para um dos mais queridos e verdadeiros de meus amigos em todos os tempos, o Guto, o Antônio Augusto de Souza Campos, filho de Dácio e de Nenê, meu Guto também inesquecível. “Guto: a Mariana não me deixa ficar sozinho com a Lurdinha. Me ajude, tente ser namorado dela.” E Guto tentou. E chegamos até a sair juntos, indo ver filmes no Cine Palácio, encantador e recém inaugurado. Fizemos, por um mês, dois pares: Lurdinha e eu; Guto e Mariana. Foi um fracasso. Nem tocar nas mãos delas conseguimos, dois garotos que se julgavam irresistíveis, Marlon e James Dean, o gordo e o magro, ele e eu. À entrada da igreja, naquele domingo, Guto ainda flertava com Mariana. E eu, já começava a desanimar de Lurdinha. Então, estremeci. Foi um olhar, ainda sinto-o vivo em mim, pulsante. A menina, num grupo de amigas, residente no Bairro Alto, chegou, riu, sorriu, cumprimentou a todos. E sorriu-me. E, passando por mim, seus olhos pararam por um átimo de segundo. E eu os senti no estômago. Ela estava com uma saia rodada, florida, blusa branca e, nos pés, sapatinhos de verniz e meias soquetes, meias e sapatinhos da época. Nunca vi ninguém tão linda. Até hoje, não me lembro de lindeza e graça iguais.

2 comentários

  1. MARILU BUTIGNOLI em 07/11/2014 às 23:15

    Bons tempos aquele! Que saudades!
    Eu estava nesse grupo de amigas do bairro alto.
    Um grande abraço meu amigo!
    Marilu

  2. Pedro Paulo Krähenbühl em 25/06/2015 às 11:23

    Velhos e inesquecíveis Anos Dourados, hein Cecílio. Mas o amor pode tudo, não. Lindo artigo e história. Passar bem amigo.

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