Padrinho árabe e curueiro

VIVER VIVE-SE VIVENDO (31)

Quando precisei de meus comprovantes de curso primário, não encontrei ninguém com o meu nome, confusão que me acompanhou pelo resto da vida. Eu era Toni, Toninho, como alguns parentes e amigos me chamam ainda hoje. E, na escola primária, não há nenhum Cecílio, mas um certo Antônio Elias. Esse era meu nome.

Disseram-me ter sido excesso de alegria de meu padrinho de batismo, o inesquecível Manoel Chaddad, entusiasmado por, finalmente, na família de Tuffi e de Amélia aparecer um homenzinho, o primeiro menino. Quatro meninas tinham-me antecedido: Marlene, Sally, Amely e Tânia, as duas últimas retornando ao infinito ainda pequeninas. E eu — chegando na manhã de uma véspera de São João, logo após Santo Antônio e aguardando São Pedro – mereci, segundo Manoel Chaddad e os alegres machos da família, um nome composto de todos os santos: Antônio João Pedro.

Há divergências quanto a isso. Dizem que Manoel Chaddad – depois de uma longa noite de cantorias de cururu, à minha espera – resolveu que meu nome seria apenas dos dois santos já celebrados no mês, Antônio (12 de junho) e João (24). O fato é que, nos documentos da Cúria, está um certo Antônio João, batizado naquela manhã do dia 23 de junho de 1940. Sou eu. Não se chegou a um acordo para colocar-se o nome Pedro. E como Antônio me matricularam no curso primário. O nome Cecílio estava esquecido num cartório de registro civil, como nascido em 24 de junho. Foi “bene trovato”, apesar de “non vero” e assim ficou.

Não descobrirei, jamais, como meu pai pôde pagar os estudos de todos os filhos em escola particular, o então “colégio das freiras”, o “Assunção”. Era, até meados dos 1940, escola mista, ainda que meninas e meninos ficassem separados. Fui levado ao Externato São José. E nunca me esqueci de minha primeira professora, meu primeiro grande amor, mocinha ainda, recém formada: Romilda Casale.

As primeiras das muitas flores que roubei na vida, eu o fiz para deixar na mesa de dona Romilda. Cheguei antes do início das aulas, pulei a janela, deixei sobre amesa dela. Minha prima, Ataly Petrocelli Sampaio, presenciou o desatino e contou para as freiras. Generosa, dona Romilda me olhou com carinho, acho que com compreensão.E eu, pobrezinho, não entendi toda aquela ternura, pois as freiras eram mulheres de uma severidade que, a meus olhos, as tornavam figuras de filmes de horror.

Para mim, sequer eram mulheres. Se me tivessem servido de modelo feminino, tenho certeza de que jamais teria vivido amores tão belos como os que vivi. A Irmã Rosa – a disciplinadora – tinha um buço tão acentuado que parecia ter bigodes. E batia nos alunos

com os sapatos negros, como negros eram os hábitos das freiras, com uma que outra mancha branca, talvez para dizer que havia pureza naquele negrume todo. Nunca acreditei.

No entanto, ao contar sobre um tempo de Piracicaba, é impossível negar o grande papel das freiras do Assunção naquele pós-guerra. Pois, por mais elas quisessem aumentar a severidade e afastar os alunos e alunas “do mundo”, os novos tempos escancaravam as portas, a velha moral irremediavelmente abalada. Os casos de moças, que engravidavam de seus

namorados, começavam a ser falados mais abertamente, incluindo “moças do Assunção e do Piracicabano”, não apenas as “empregadinhas de fábrica, as alunas das escolas públicas”.

Na escola, penso eu, estava toda uma imagem daquele tempo: a pública era melhor, o ensino tinha muito mais profundidade e firmeza. Mas acreditava-se que a formação dos e das adolescentes se dava na escola particular. Na década de 1940, as famílias recorriam aos colégios Piracicabano e Assunção. As freiras, no entanto, não conseguiram “educar os moços”, desistiram e, então, lá se foi o primeiro bispo, D.Ernesto de Paula, em busca de uma escola católica para rapazes, pois lhe era insuportável saber que, em sua Diocese, eram os “protestantes” do Piracicabano que educavam a juventude. Como acreditar que se passaram 60 anos?

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