Trampolim, cachoeiras, piscinas

Viver vive-se vivendo (18)

Quando Diocleciano Villar, o Diô, gerenciava o Engenho Central, ainda em 2001 e na administração de José Machado, ele me levou a ver o barco batizado com o nome de meu pai, uma iole. No casco, está – ou estava, pois não sei o que foi feito daqueles barcos todos do Clube de Regatas – o nome para mim tão amado, “Tuffi Elias”. Como, em outro, o de Júlio Nascimento. Eles, entre outros homens, deram grande parte de sua vida pelo Clube de Regatas de Piracicaba, cujas instalações, hoje, abrigam a Torres Turismo, de Nelson Carrano Torres.

Foi o Nelson Torres quem doou aqueles barcos à Prefeitura, pertencentes que eram ao acervo do Clube de Regatas de cujos imóveis Nelson se tornou proprietário. E eles foram recolhidos a um galpão do Engenho Central, expostos ao vento e à chuva. Não sei que fim deram. Mas sei porque me lembrei disso. É que, quando da estiagem – e, então, a tristeza perpassa o rio — fica, à vista e numa imagem melancólica, a base do trampolim, de onde saltavam os atletas e, também, os simples nadadores ou aprendizes. Parece um sonho: eu saltava do trampolim, meu pai me esperava para me proteger, nadávamos juntos e, depois, ele me levava rio afora. Eu o via remando, os músculos tesos e rijos – era o meu herói. Meu herói muito amado.

Minha mãe nos contava que eles namoravam na Ilha dos Amores e que saíam de barco a passear pelo rio. E que, certa vez, vendo-o remar, ela – atrevida e apaixonada, talvez até mesmo com outras intenções – lhe perguntou: “Você não está cansado, querido?” E que, então, ele lhe respondeu: “Com você, eu remarei toda a vida.” Remaram a vida toda. Juntos e amando-se até o fim.

Aprendi, pois, a nadar no rio Piracicaba, à frente do Regatas. E, depois, nadávamos nas águas ruins do Itapeva. De piscinas, não me lembro de outras, mas havia, abertas ao público, apenas duas naqueles meados da década de 40: a do Colégio Piracicabano e a do Parque Infantil, inaugurado em 1944, na administração de Jorge Pacheco e Chaves. Na “piscina do colégio”, havia dias especiais para os que não eram alunos e confesso não me lembrar de como tínhamos autorização para entrar. Sei que havia dias e horários para meninas e meninos, em separado.

A piscina do Parque Infantil, lembro-me dela no final dos anos 40, início dos 50. E aquela piscina é como se tivesse um nome, como se se confundisse com uma pessoa: Cacilda Azevedo Cavaggioni, então apenas Cacilda Azevedo. Nunca conheci ninguém que, como Cacilda, conseguisse manter a autoridade e fazer bagunça, ela própria, ao mesmo tempo. Foi lá que conheci aquele que se tornaria um dos meus melhores e mais fiéis amigos, irmão e camarada, o “Mandinga”. Ele, “Mandinga”, era endiabrado e nem Cacilda Azevedo conseguia contê-lo ou detê-lo. Talvez – ou “et pour cause” – por ser tia dele. “Mandinga”, quem era ele? Ora, o dr. Fernando Antônio de Azevedo Pacheco, ex-professor da nossa Odontologia.

Na verdade, quem nadou em rios não se acostuma a piscinas. Não tem graça. Mergulhar em piscina é como tomar banho de chuveiro. A sensação de vôo, de liberdade, estava em mergulhar do último piso do trampolim. Ou descer com as águas do salto, protegido por “bóias” de pneus. Os mais audaciosos – e admito nunca ter tido coragem de fazê-lo – entravam na corredeira do Mirante e desciam por aquela cascata que inventaram seja “véu da noiva” e não é. Houve quem se ferisse gravemente e outros que morreram naquela aventura.

E saltar dos cipós da cascatinha da Agronomia, essa queda d´água que multidões de piracicabanos não conhecem? Oculta pelo mato, com acesso proibido, aquela cascatinha é uma das belezas de nossa terra. Mais do que “cascata da Agronomia”, ela sempre foi a “Cachoeira do Piracicamirim”. Do alto de suas pedras, mergulhava-se, ia-se em busca de cipós como Tarzan fazia com Jane. E aí estava a beleza: de quando em quando, aparecia uma Jane para nadar sob a cachoeira. As águas despencavam como que num poço e, então, ficavam mansas, parecendo formar um lago que se ia tornando plácido. É inadmissível saber que há gerações de piracicabanos que nunca viram esse tesouro.

Do fundo do baú, como que me ficaram guardados sabores e cheiros de água de rio, de regato, de ribeirão. De piscinas, ficam- me lembranças sem graça. Rios passam por nossas vidas. Vão-se embora. Mas, misteriosamente, permanecem.

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