A propósito de ética, política e democracia.

Louvável a iniciativa do vereador Fausto Rocha em desenvolver a semana de debates em torno de temas essenciais para a vida brasileira: ética, política, democracia e reformas. Haverá, obviamente, quem se lamente de o Brasil – e Piracicaba, por conseguinte – ainda necessitar de tais debates pois não haveria como supor, por exemplo, política e democracia sem ética, democracia sem política ou política que, pelo menos no Ocidente, não seja democrática. Desde, porém, que se defina exatamente o que entendemos por tudo isso.

A grande questão, parece-nos, está no fato de a sociedade civil ter-se desencantado de tal forma de seus políticos que se tornou assustadoramente comum ouvir-se, do povo, referências quase que saudosistas a regimes militares. Acontece praticamente em toda a América Latina, onde regimes de exceção alastraram-se como se fossem doenças congênitas. Ouve-se falar em “ordem, em autoridade, em respeito”, em referência a governos militares, como se tais valores não estivessem implícitos na concepção de democracia. Os abusos foram e têm sido tantos que o cansaço do povo – não o da OAB, cansaço de conveniências – ameaça conduzir-nos ao desânimo perigoso.

Primeiramente, preciso seria restabelecer o conceito de Política. A palavra, a gênese, o conceito, a idéia e o objetivo de Política são nobres, uma conquista da humanidade. Um processo histórico de deterioração levou-nos a admitir se tornasse sinônimo de esperteza, de aventureirismo, de oportunismos escusos. Tornou-se comum – e até merecedor de tolas admirações – a imagem do “político esperto”, o que “rouba mas faz”, o do “desonesto mas competente”. Quando a sociedade perde os instrumentos de defesa e de proteção – exemplos: uma imprensa calada e conivente; lideranças civis comprometidas; organizações sociais também cúmplices – a política se transforma num covil e a democracia, numa mal disfarçada estrutura oligárquica. É quando acontecem – e o Brasil assiste a isso, Piracicaba também – alianças espúrias, acordos amorais, relações incestuosas como essas entre empresários e políticos.

É tão grave a situação que o povo já sabe de antemão: onde houver obras realizando-se – já que com os modelos sempre suspeitos de terceirizações, privatizações ou parcerias público-privadas – há suspeitas de irregularidades ou de aproveitamentos escusos. A corrupção chegou a tal nível que o Brasil – e Piracicaba também, insista-se – já desconfia por antecipação. Pois são tantos e tão costumeiros os escândalos e a impunidade que se perdeu a consciência do bem público e de Política como serviço. Governantes deixam de ser servidores para agirem como senhores. Eles não mais entendem que o Poder lhes foi outorgado provisoriamente, considerando-se o próprio poder, desrespeitando leis, moralidade, princípios e valores. A democracia passou a ser apenas um discurso.

Em Piracicaba, há escândalos não revelados, ainda não apurados e muitos deles silenciados. As parcerias são insultuosas e insultantes. Entidades de classe – representativas dos mais diversos setores – não conseguem estabelecer os limites e as linhas divisórios entre público e privado. As opções preferenciais nunca são em favor dos mais indefesos. Pelo contrário, fortalecem-se os já fortes. E, na base da pirâmide social, há uma ebulição perigosa que, aceleradamente, caminha para uma consciente desobediência civil, que se inicia pelo desrespeito, pela falta de confiança e, acima de tudo, pela esperança perdida. Um povo sem esperanças não tem mais nada a perder. Foi assim que a História nos deixou exemplos de explosões sociais incontroláveis. Os políticos brasileiros – os de Piracicaba também – não imaginam que isso possa acontecer em nosso quintal. Mas acontece. E acontece onde menos se espera.

Louvável, pois, a iniciativa da Câmara de Vereadores. Mas há um perigo em suspenso, perigo que ronda toda a classe política onde quer que ela esteja, seja o que for que ela faça: falar-se de corda em casa de enforcado. Um bom tema para essa semana de debates seria, por exemplo, discutir o papel das Câmaras de Vereadores em relação ao Poder Executivo e suas responsabilidades como zeladoras do patrimônio moral e democrático da população.

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