A saga de idosos, gestantes e deficientes.

Jamais se encontrará qualquer saída para o Brasil – e o incipiente desenvolvimento econômico nada alcançará de duradouro – se não voltarmos, aceleradamente, ao essencial da alma do povo, do país como nação: educação não apenas formal, mas a natural educação com seu sentido de civilidade e de respeito básico. Um povo sem civilidade não chegará a lugar algum e esta, a civilidade, não se aprende apenas na escola, mas vem do berço, da família, de estilos de vida escolhidos e selecionados. É o que nos falta: a seleção, isso que nos pode torna um povo seleto. Seleção é selecionar, fazendo-se, pois, escolhas a partir de uma escala e de uma hierarquia de valores. Não há nação sem civilizado e é risível falar-se em país civilizado se, antes dele, não existir um povo civilizado.

O Brasil não precisa de mais leis, pois as temos em abundância, talvez em excesso, sabendo-se, também, que algumas delas são das mais avançadas do mundo, como os documentos legais da infância e da adolescência, os de proteção e respeito a idosos, deficientes e, também, a gestantes. A grande e grave questão brasileira – que parece atávica – está no cumprimento das leis e no respeito a elas. Pois se tornou até motivo de troça falar-se em “lei, ora a lei”. Que seria, desde a criação de cada uma, feita para ser burlada e desrespeitada. Um país de impunidades não pode civilizar-se.

Há poucos dias, num estabelecimento bancário, pôde-se presenciar mais um espetáculo de acinte, de achincalhe e de motivos para desesperanças. Lá estava a lei inscrita em letras de forma, setas indicativas, orientações claras: um guichê para atendimento especializado a idosos, gestantes e deficientes. O mesmo pode-se ver em alguns laboratórios de análises clínicas: setas, guichês, indicações. E, no entanto, em estabelecimentos bancários e de atendimento público, a lei parece existir apenas para confirmar a troça, de ter sido feita para ser desrespeitada. Pois nem funcionários a levam em conta, nem o próprio público, do qual jovens deseducados, truculentos, homens e mulheres saudáveis e fortes fazem, descarada e acintosamente, de desrespeitar aqueles a quem a lei quer proteger ora por idade avançada, ora por deficiências físicas ou mentais, ora pela excelência da maternidade, essa construção da vida.

Num desses bancos, pôde-se presenciar a mulher grávida e alguns humildes idosos serem absolutamente ignorados por funcionários responsáveis pelo atendimento, muito embora todos os avisos, sinais e orientações para o atendimento preferencial. Era a lei descaradamente humilhada e enxovalhada. E ainda mais quando a mulher grávida, a gestante – já humilhada em outros lugares – se via obrigada a portar documento em que provava estar grávida, pois “já fora confundida com uma mulher apenas gorda.”

Eis aí, talvez, um grande trabalho para os nossos vereadores, tão regiamente pagos para atenderem a população: visitar lugares públicos, fiscalizar o atendimento, conversar com idosos, gestantes e deficientes. Poderão ser mais úteis do que, da tribuna camarária, tecerem loas aos recebedores de títulos especiais e honrarias legislativas. Na verdade, em tempos de incivilidade, cada pessoa com responsabilidades sociais definidas tem que assumir a defesa dos menos favorecidos, de multidões sofridas que ou não conhecem os seus próprios direitos ou não têm como defende-los. Levar uma senhora grávida até o guichê e discutir em seu favor até vê-la atendida e respeitada em seus direitos, esse é um dever que causa uma indescritível sensação de vida comunitária e responsável. Vereadores deveriam sair mais vezes por aí, deixando, assim, de inventar moções e diplomas honoríficos muitas vezes discutíveis.

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