Bispos e pastores.

O pungente artigo do Padre Otto Dana – essa que foi, realmente, uma “carta do exílio” – dá margem a muitas reflexões e, também, a correlações. Primeiro, faz lembrar os acontecimentos que abalaram a igreja católica diocesana no final de 2005, início de 2006, quando o novo bispo, usando de seu direito de remanejar vigários, acabou mexendo em estruturas emocionais sensibilíssimas. A frieza das decisões administrativas adotadas lembrava a de um empresário remanejando funcionários conforme os interesses exclusivos da empresa, sem qualquer preocupação com aspectos humanos, nem mesmo caritativos. Ora, caridade e humanismo não cabem em regimes férreos de governo, incluindo aqueles eclesiais, quando igrejas fazem questão de se e de nos lembrarem de suas porções humanas.

As grandes vítimas daquele momento – vítimas pelo martírio a que foram submetidas – se tornaram os padres Jorge Miguel e Otto Dana. Se os cânones foram obedecidos pelo administrador católico, não houve sensibilidade ou condescendência em relação ao humano. De repente, em nome do divino, feria-se o humano. O sofrimento que o Padre Otto revela em sua carta é, de certa forma e num paralelismo mais extremado, o mesmo que, em silêncio, existe no martírio a que foi submetido, pelo administrador nomeado pela Igreja Metodista, Almir de Souza Maia.

Muitas reflexões podem ser feitas. E, delas e também das situações, outras tantas conclusões hão de ser tiradas. No entanto, seria preciso – a nós, da sociedade civil e de governos republicanos – começarmos a pesar, com mais rigor, cargos, funções, responsabilidades e excelências. Às igrejas, especialmente às tradicionais, tem-se dado, com justiça, o respeito que merecem por suas atividades religiosas, incluindo facilidades legais, isenções, etc. Pensa-se nelas, quando se lhes reconhece essa excelência, a partir do sagrado que representam, do divino em nome do qual falam e para o qual dizem ou pretendem conduzir o rebanho humano. No entanto, não há como pretender mantê-las na dimensão do sagrado e do divino quando suas atividades, quando as atitudes de seus governantes se nivelam ao profano. Há que se diferenciar o pastor do bispo, talvez seja essa a omissão que temos feito.

Ora, pastores são os que apascentam, palavras que nos levam às origens pastoris da vida, o pastor e seu rebanho, a proteção, o cajado, o aconchego. Bispos, no entanto, embora colocados ao mais alto grau das excelências eclesiais, são, na verdade, administradores. Chefes de suas igrejas, sim. Mas, acima de tudo, gerentes, administradores, guardiões. A palavra latina “episcopus” diz desse significado original: “guarda, superintendente, vigia, inspetor.” Bispos são superintendentes de códigos, de doutrinas, de bens materiais, de posses, de dogmas. E, na condição de vigias e de inspetores, pouco lhes sobra de sensibilidade para avaliar a dimensão humana dos que estão a serviço da hierarquia. Os homens, nos sistemas de governo, tornam-se peças de uma grande engrenagem.

São apenas reflexões, estas. Mas elas têm sentido e há correlações que as justificam, paralelismos que as motivam. Pessoas têm sido moralmente martirizadas para que se levem a cabo desígnios hierárquicos. Aliás, a palavra religião há quem questione o seu significado, atribuído quase sempre ao “religare”, o religar. Há quem defenda seja derivada do “religere”, o refletir, o contemplar. A cada dia que passa, mais entendo que o homem religioso é o reflexivo. E, quanto mais reflexivo, mais ele se desliga.

Enfim: a sociedade brasileira – como já ocorre em nível mundial, nos países desenvolvidos – precisa aprender a diferenciar as duas dimensões que as igrejas se dão: divina e humana. Então, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Mas os bispos, de todas as religiões, têm que dizer, com mais clareza, o que são bens terrenos e bens divinos. Para a gente entender, não para confundir.

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