Clamando por decência a surdos
Se tentar uma breve síntese de tudo o que Bento XVI tem pronunciado no Brasil, talvez bastasse dizer que Sua Santidade fez o elogio da decência. E, com isso, o reerguimento moral do homem moderno, perplexo diante de tantos atalhos e aturdido pelo atropelamento de valores ancestrais. Quando fomos surpreendidos com aquela publicidade, de décadas passadas, em que o jogador Gérson falou em ser preciso “levar vantagem em tudo” – não nos demos conta, na verdade, de que a agência da marca de cigarro apenas se aproveitara de uma mentalidade que já existia, a da esperteza inconsequente.
Políticos e empresários – exatamente esses a quem o Papa convoca para a retomada da honestidade – foram os primeiros a adotar a que se tornou conhecida como “Lei de Gérson”, infelizmente para ele, o menos culpado na grande atrapalhada. Mas o vírus da ganância, do poder pelo poder, do “tirar vantagem em tudo” acabou se transformando em epidemia e, então e como sempre, o feitiço se virou contra o feiticeiro. Pois o povo, vendo suas lideranças corromperem-se, experimentou o sabor da corrupção. E, por falta de alternativa, gostou. Mas perdeu a paz, a organização da vida, o sentido comunitário e, em especial, o de família. O lucro, como centro de tudo e objetivo primeiro, alterou as relações individuais e sociais, produzindo a estrutura darwiniana de convivência, o “struggle for life”, a destruição dos mais frágeis pelos nem mesmo mais fortes, mas pelos mais espertos.
A “corrupção do ótimo é péssima”, já ensinavam os romanos. E, em nossos tempos, mais do que péssimas, tornou-se trágica. Quando as lideranças não têm dignidade e menosprezam a decência, o exemplo corrosivo atinge o todo, impossibilitando a existência de qualquer sociedade digna, com expectativa de futuro. Ao apelar para a honestidade de políticos e de empresários, Bento XVI, com sua autoridade moral, assume-se como “voz dos que não têm voz”, convocando, também, homens e mulheres conscientes a essa nova cruzada que se impõe, que se exige a partir das vísceras do povo: um basta à corrupção, um basta à esperteza, um basta aos conluios indecentes entre políticos e empreiteiros e, enfim, um basta ao cinismo que, até aqui, tem sido suportado, o do “rouba mas faz”.
Nos governos, especialmente os municipais, não basta mais ser apenas competente. É preciso, antes, ser decente, nessa honestidade pela qual, em nome de todos, Bento XVI clamou. Quem tiver brios ouça, mesmo porque os que não os têm continuarão fingindo não ouvir.