Como silenciar 800.000 visitantes?

O Brasil retrógrado está povoado, ainda, de políticos com mentalidade coronelista. Mesmo com diplomas universitários e títulos de doutores, há homens públicos com cabeça política formada nos submundos dos currais eleitorais e dos votos de cabrestos. Um dos exemplos mais atuais e flagrantes – entre tantos outros também lamentáveis – está no conúbio imoral e indecente entre seitas religiosas e partidos políticos, entre políticos e soi-disant pastores. A confusão entre os reinos de César e de Cristo é farisaica, desonesta e passível de leis penais.

Piracicaba, nos últimos anos, assistiu a escândalos políticos inenarráveis, mas inexplicavelmente silenciados, até mesmo pela Justiça, que declarou processos envolvendo o interesse público como “segredos de Justiça”. Ora, que Justiça pode ser essa, que oculta, do povo, o que mais interessa ao povo, que é o seu direito de saber como agem seus representantes e o que fazem, eles, do dinheiro de cada cidadão? Coronéis, aliando-se a juízes e promotores fracos, acreditam sejam, por si mesmos ou pelos cargos que ocupam, “autoridades”. Não há “autoridades” em cargos eletivos, mas representantes do povo que, então, se revestem da autoridade da representação popular. Logo, eles “não são autoridades”. Podem “ter autoridade”, que é uma delegação popular na ordem democrática. Coronéis não entendem disso.

Esta reflexão é a de quem, por duas décadas, enfrentou a ditadura militar na trincheira jornalística, rebelando-se contra toda a forma de censura e de limitação da liberdade responsável de pensar e de manifestar o pensamento. E insisto: liberdade responsável, pois a liberdade implica responsabilidade na mesma dimensão. Irresponsáveis não podem ser livres, pois não o são por sua própria limitação. Liberdade exige, antes de mais nada, a capacidade de responder (responsabilidade) pelo que se faz. Uma criança não pode exercer, por exemplo, a sua sexualidade prematuramente pois é incapaz para responder pelas conseqüências de seu ato. Na imprensa, vale o mesmo princípio: irresponsáveis não podem e não devem escrever. Mas não serão coronéis de currais eleitorais os que têm o direito a tal avaliação, mesmo que mancomunados com juízes e promotores de plantão.

O partido político dominante de Piracicaba está marcado, diante da história, por momentos terríveis de coronelismo e de farsas, além das denúncias de corrupção que correm nos tais “segredos de Justiça”. Sob comandos coronelistas, o partido dominante conseguiu, na Justiça, impor a censura a jornais piracicabanos em pelo menos duas oportunidades, em vésperas de eleições. O centenário jornal local não esboçou reação, protestando a posteriori. O objetivo dos coronéis era tentar calar este velho jornalista, no receio de que fossem reveladas mazelas que apequenam os que as cometem, sejam simples cidadãos, sejam homens com cargos públicos. Pequenez é pequenez sempre.

A importância democrática da Web, o poder por assim dizer milagroso da Internet é, no mundo atual, um dos mais poderosos instrumentos para a construção de um mundo mais justo, mais humano, mais democrático e honesto. Excessos e tolices são contingenciais, haverão de passar. No entanto, não há mais – mesmo debaixo das mais cruéis ditaduras – quem não possa falar; não há mais – mesmo sob pressões políticas e econômicas – quem não possa se manifestar. E não há mais coronéis – mesmo que com a mansidão de juízes e promotores acovardados – que acreditem tenham chibatas e chicotes suficientemente eficazes para emudecer, enganar, mistificar e sujeitar um povo, comunidades ou pessoas.

Peço, aos mais antigos, que se recordem de O DIÁRIO. Foi lá, naquela trincheira, que Piracicaba continuou dando, ao Brasil, a sua contribuição pela causa da liberdade e do Estado de Direito, na herança que nos foi deixada por Luiz de Queiroz, por Prudente de Moraes, por Francisco Morato, por Jacob Diehl Neto – uma Piracicaba pioneira e atuante na libertação dos escravos, na proclamação da República, na revolução liberal, na revolução paulista e na resistência à ditadura militar de 1964. O DIÁRIO assumiu a responsabilidade de ser porta-voz dos mais sofridos, “A Voz dos que não têm Voz”, foi o lema. Era quando o povo não podia falar.

A PROVÍNCIA confirma esse novo compromisso, o de ser espaço na Web, espaço para que solte sua própria voz aquele que tiver voz. Não há o que impeça, não há o que segure, não há coronel que detenha a voz de um homem consciente e livre. E, muito menos, a voz coletiva, a voz comunitária, a voz do povo.

Esses 800.000 acessos de leitores a A PROVINCIA são, mais do que um alento, um reavivamento de nossa responsabilidade como jornalistas e intelectuais, neste nosso espaço, neste nosso tempo: missão, sacerdócio. Quando a velhice chega, poder renovar esse compromisso é emocionante, uma ação de graças. Ora, coronéis – mesmo modernos e com títulos de doutores – como ousarão alcançar censura e silêncio nesse movimento virótico de troca de informações, de interação, de participação, de ponto de encontro de 800.000 visitantes?

E como – diante dessa alvorada democrática – um velho jornalista pode dar-se ao direito de aposentar-se?

 

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