Desmemória

“Os homens se vingam das pequenas ofensas mas não das grandes.”(Maquiavel.)

A imprensa não é, em parte alguma do mundo, vestal intocável. No Brasil, ela se arroga ser o “Quarto Poder”, o que leva muitos jornais e jornalistas a acreditarem nessa ficção que lhes daria, então, a aura de instituição acima do bem e do mal. A arrogância, quase sempre, esconde interesses subalternos pois a imprensa, sendo um dos valores mais preciosos das democracias – se livre, honesta e responsável – pode ser um de seus grandes males, quando comprometida ou envolvida seja com o que for que contrarie os interesses das comunidades.

Desde a posse de Lula, ainda em seu primeiro governo, o Brasil assiste a um esforço patético de parte da chamada “grande imprensa” para desestabilizá-lo, ora com ridicularias desrespeitosas e eivadas de preconceitos, ora com perseguições sistemáticas que justificam outra das percucientes análises do sempre presente Nicoló Maquiavel e que tomamos como epígrafe: “Os homens se vingam das pequenas ofensas, mas não das grandes.” É o que a imprensa brasileira, comprometida com os segmentos mais conservadores e minoritários da sociedade brasileira, tem feito com o presidente Lula. De Lula, até as pequenas falhas são transformadas em tragédias, em vinganças mesquinhas. De Fernando Henrique, as grandes ofensas como que foram perdoadas.

Isso não quer dizer que o governo de Lula seja imaculado ou não tenha grandes falhas. A corrupção havia e denunciada se tornou ainda mais grave exatamente porque não poderia ter sido patrocinada pelo PT, parte dele. Ora, sabe-se que o poder corrompe, em todos os níveis. Mas não se esperava corrompesse, também, aquela ala do PT que se tornou estigmatizada pelo País. No entanto, considerar que todo o governo de Lula é corrupto, não perdoá-lo até por pequenas tolices e negar os méritos de um governo que realmente está promovendo um salto na reorganização do País – isso é inaceitável. E beira a irresponsabilidade que, não sendo admitida no cotidiano das pessoas, se torna insuportável quando parte de órgãos da imprensa, cujo compromisso deve ser com a busca da verdade e com a boa informação. Insistimos: a má informação desinforma mais e mais prejudica do que informação nenhuma.

O lamentável episódio de Renan Calheiros – político que, há muito, não devia merecer o respeito da nação – está levando parte da imprensa à perda de respeito, pois os exageros e as omissões, as meias verdades e análises caolhas se tornaram, também, insuportáveis. Ora, Renan Calheiros não é invenção do governo de Lula, nem fruto de uma recente composição entre PT e PMDB. Renan Calheiros é conhecido do Brasil desde o Governo Collor, passando por Itamar Franco e tornando-se Ministro da Justiça do governo de ninguém menos do que Fernando Henrique Cardoso.

Como puderam ser esquecidos os escândalos da compra de votos de deputados para a reeleição de Fernando Henrique? Aquilo foi mensalão ou anuidade? Por que não se bate duramente no Senador Aseredo, mineiro do PSDB, que abriu as comportas da corrupção com Valério? E por que não se lembra que Francisco Lopes (Chico Lopes), presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique, saiu preso e algemado, envolvido nos escândalos que, somente agora, podem ser punidos, com a prisão do ban1queiro Salvatore Cacciola em Mônaco? Como esquecer que, após as privatizações nas telecomunicações, a viúva do então todo poderoso ministro Sergio Motta – escudeiro de Fernando Henrique – foi elevada à presidência da Fundação da Telefônica?

O farisaísmo de certa imprensa é, na verdade, responsável pelo crescimento do prestígio de Lula junto ao povo, pois as denúncias se banalizaram a tal ponto que deixaram de merecer crédito. de se tornarem desacreditadas. Aqui mesmo, em Piracicaba: quem – dos que atiram pedras no governo de Lula e pedem o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado – pediu, por exemplo, o afastamento da Secretária Municipal da Educação, Giselda Ercolin, já condenada como plagiária, em primeira instância, numa obra em que a Prefeitura intermediou verbas do Fundef? Maquiavel, como sempre, tinha razão: a imprensa, como os homens, vinga-se das pequenas vergonhas e ofensas, não se vinga das grandes. Essa desmemória proposital é um desserviço.

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