Dignidade humana tem preço?

Este artigo tem, também, endereço. E começa com uma pergunta: qual o preço, no mercado, da dignidade humana? E continua com uma constatação que, por mais amarga seja, é simples e meridiana constatação: parcerias inescrupulosas, cumplicidades inadmissíveis, ligações promíscuas vão-se tornando, em função do lucro e do poder, plenamente justificáveis em todas as esferas da vida moderna, pelo menos no mundo ocidental, dito de economia globalizada. Mas a dignidade humana não tem preço. Pelo menos para os que a preservam. Está dado o recado.

E continuemos. Educação, saúde, segurança, alimentação, moradia – esses que são direitos básicos e fundamentais de qualquer ser humano – tornaram-se grandes negócios. Agora mesmo, o sindicato dos estabelecimentos de ensino do Estado de São Paulo (Sieesp) acaba de recomendar, a donos de escolas, que “peçam judicialmente a penhora dos bens dos pais de alunos inadimplentes.” As escolas particulares – basta ver as de Piracicaba, por exemplo – esbanjam, enquanto isso, prosperidade: CLQ, Anglo, Dom Bosco, algumas delas. E, no entanto, há milhares de pais que sofrem as conseqüências de um país profundamente injusto, na perversidade de a 10ª economia do mundo, que é a do Brasil, permitir a miséria de tantos milhões de pessoas, a insegurança, o desemprego, vítimas de ilegalidades não punidas.

No caso da Unimep, um interventor perverso, citando outro exemplo, não hesitou em, por e-mail, desempregar quase duas centenas de professores, um impacto significativo na economia piracicabana sem que, no entanto, as autoridades municipais se dessem conta da injustiça e dos graves prejuízos para todos. Especialmente, porém, a profunda injustiça, a falta de respeito, a hipocrisia de haver tanta crueldade numa empresa de educação com base confessional.

Pais inadimplentes, muitos deles vítimas do desemprego e da infâmia social, terão seu bens penhorados enquanto, no Congresso Nacional, deputados, senadores, os componentes do Executivo, o próprio Judiciário têm aumentos espantosos de salários, definidos e legislados em causa própria. E Lula, abraçado agora a Collor, chama de “heróis” os usineiros, dos quais, até recentemente, dizia qualificativos graves. Essa gente não percebe, mas atiçam a explosão social. E ela começa com a perda de credibilidade nas instituições, todas elas, incluindo a imprensa.

São empresas de educação, empresas de saúde, empresas de segurança, empresas alimentares, empresas religiosas, muitas das quais parceiras de grupos políticos e econômicos suspeitos. Veja-se a Renascer, como outro exemplo, cujos bispo e bispa – e é terrível chamar uma episcopisa de bispa – detidos nos Estados Unidos, por crimes financeiros, enquanto suas propriedades chamam a atenção pela suntuosidade, como a que se vê também em Piracicaba.

Certa vez, também aqui, revelou-se que a Diocese católica tinha – teria ainda? – empreendimentos comerciais, residenciais, de locação, na vizinha cidade de Limeira. Por que em Limeira, não aqui? – foi a pergunta, simples e ingênua. E a resposta franca, de alta competência capitalista, mas pouco cristã: porque Limeira não pertencia à diocese e, então, em caso de inadimplência ou falta de pagamentos, não haveria necessidade de grandes explicações para despejos e ações judiciais. Seria chato despejar um diocesano…

Na eleição de Barjas Negri, um pastor evangélico proclamou à imprensa, eufórico, que dera “50 mil votos” de seus fiéis ao candidato eleito, num “negócio feito com o partido”. Nada aconteceu. Poucos se indignaram que, na democracia brasileira, religião, votos, políticos sejam parte de um negócio. Como poucos se indignam se “sanguessugas” podem desenvolver normalmente suas atividades por aqui, já que agiram em Brasília. Ou seja: crime federal é absolvido por não ser crime municipal.

Quando igrejas se metem em negócios, coisa bonita não pode acontecer. Quando grandes empresas se acumpliciam com políticos ou com igrejas ou grupos organizados, coisa bonita não pode acontecer. O Brasil jamais chegará a ser democracia verdadeira se, acima de qualquer outra pretensão, não se admitir, consensualmente, que o ser humano não tem preço. E não adianta profetas pro

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