Educação versus mercantilismo.
Ninguém pode estar contra medidas que visem à superação da crise da Unimep que, aliás, atinge toda a universidade brasileira. Há que se enfrentá-la, sendo desonesto e injusto dizer-se ou insinuar-se que as administrações de Almir de Souza Maia e de Gustavo Alvim não o fizeram. A crise foi nacional, tem sido. No entanto, as soluções não podem ser enfrentadas a partir da óptica mercantilista, como esse “novo modelo” proposto pelo interventor Davi Barros, lembrando que a palavra interventor, usada no lugar de reitor, tem o sentido real de ser, ele, apenas um executor de ordens e de determinações de um Conselho Diretor que, há já alguns anos, tentou submeter a administração da Unimep, ferindo-lhe a autonomia.
Sinto-me cada vez mais à vontade para ser observador crítico dessa situação. Primeiro, por minha rsponsabalidade de jornalista piracicabano. Depois, também com a de cidadão brasileiro. E, em especial, por uma honraria que me foi feita, no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, pelo CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras). A um escritor caipira, o CRUB fez o convite e transferiu a responsabilidade de elaborar um documento que pudesse ser a síntese do pensamento dos reitores das universidades brasileiras em suas mais diversificadas dimensões: universidades estaduais, federais, particulares, confessionais, as comunitárias que começaram a surgir, etc. Aceitei o desafio e fui em busca de ouvir, de pesquisar, de entender, de, enfim, tentar sintetizar o que fossem preocupações e receios comuns à universidade do País.
Estive com os principais reitores deste país: de USP, UNICAMP, UNESP, UNB, UNIMEP, com os das PUCs, com os das universidades federais, com os de algumas particulares, viajando, por alguns meses, através de São Paulo, Rio, Brasília, Minas, Bahia, Paraná, etc. E o documento foi elaborado. E as preocupações comuns relacionadas. E eram temores que vieram a se confirmar como amarga realidade: proliferação de “fábricas” de diplomas, falta de critério para isntalação e criação de universidades, privatização acelerada do ensino universitário, pré-disposição para privatizar também a pesquisa através de parcerias especiais com empresas, ascensão acelerada do espírito mercantilista no ensino, queda de qualidade, perda de compromisso para com a realidade nacional. Até hoje, não sei se o documento foi entregue, pelos reitores, ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ora, isso que o Conselho Diretor ordena que Davi Barros faça em Piracicaba é exatamente aquele temor dos anos 1990: a equiparação da universidade brasileira a fábricas de sabão. Almir de Souza Maia lutou contra isso, foi um estóico que a verdadeira Igreja Metodista deve reverenciar por sua decência, lealdade e competência. Enquanto isso, Davi Barros, com sua grosseria proverbial e ironia vulgar, não deixa de usar uma expressão que espanta alguns dos seus interlocutores: “A Unimep já dançou, já era.” Para ele, “dançou” o modelo idealístico, o modelo sério, o modelo decente, o modelo de educação como serviço e como missão. Vindo da tradição metodista, isso é assustador. Mas o mais terrível é que isso aconteça em Piracicaba, pois a Universidade, insisto, foi como que um presente que Piracicaba deu à Igreja Metodista, confiando na seriedade que nos vinha desde Martha Watts e no espírito extraordinário de formação humana inspirado por Wesley.
Estamos divulgando, a propósito e de propósito, como que um testamento do educador Flávio de Toledo Piza, intelectual já falecido de Piracicaba, que é oferecida ao Conselho Diretor da Unimep e a Davi Barros como convite para que a leiam e meditem na cama. Flávio de Toledo Piza revela, apenas, o espírito de Piracicaba desde o início do século XX – quando, aliás, já tínhamos a Universidade Popular, pioneira e exemplar – que se identificava, também, com o de Martha Watts: educar como missão, como responsabilidade. Não para ganhar dinheiro ou para ensinar a ganhar dinheiro, que dinheiro até traficante de droga sabe ganhar com competência. Não se pode mercantilizar o espírito.
Sugerimos a leitura de Flávio de Toledo Piza. Senão como inspiração, para que, pelo menos, algum rubor surja nas faces de alguns que tratam universidade como tratariam uma fábrica de inseticidas.