Então, que se matem todos.

A lógica do poder é de tal crueldade que difícil se torna acreditar haja, realmente, uma busca de conscientização e refinamento civilizatório do ser humano. Pois essa – que deveria ser a força do argumento – é derrubada e vencida pelo argumento da força. O poder não contemporiza, não tem compaixão, não sobrevive a não ser através da crueldade, seja lá sob quais formas se apresentem. Há a crueldade ideológica, que martiriza cérebros; há a crueldade física, que tortura corpos; há a crueldade econômica, que usa formas sutis ou declaradas de escravidão.

Ainda recentemente, uma voz do Vaticano se rejubilou diante do que lhe pareceu profetismo do Papa Bento XVI, ao denunciar “o perigo do Islã para o Ocidente.” Ora, qual é a diferença de discurso, se os radicais islâmicos estão dizendo a mesma coisa em sentido inverso: o perigo do Ocidente par a o Islã, para o mundo Oriental? A propósito, pelo menos para colaborar com os que não aceitam ser tratados como idiotas, o sentido originário das palavras Ocidente e Oriente deveriam merecer um mergulho mais aprofundado de reflexão: Oriente é onde nasce o Sol; Ocidente, onde o Sol morre. Ou seja: Ocidente, para o Oriente, é o caminho dos mortos. E, sintomaticamente, palavras como orientar, orientação derivam de Oriente. Parece irônico mas não é.

Quase ao mesmo tempo em que o Vaticano se manifesta quanto ao “perigo do Islã para o Ocidente” – implicitamente, portanto, insinuando que somos a salvação para todo o mundo, embora estejamos nos suicidando – os Estados Unidos informam terem aumentado em níveis altíssimos a ajuda armamentista a Israel como compensação à venda de armas e ao fortalecimento bélico da Arábia Saudita. Com a desculpa de enfrentar Irã, Síria e quejandos – enquanto houver um resto de petróleo sob a terra – fortalecem-se aliados, não importando mais que seja a política da morte, do sangue, do horror e da violência.

A lógica é absurda, mas é a única que convém ao poder, desde quando Maquiavel se apercebera de toda um aparato para fortalecer o poder do Príncipe: já que não se pode alcançar a paz, pois esta tem sido buscada como imposição de uns sobre outros, que se arme o mundo. Se não se pode salvar nem mesmo os de boa vontade, então que se matem todos. Quem viver verá. E é aterrador pensar que o mundo está mergulhado em sangue e em lágrimas, sucumbindo ao horror e à morte, justamente a partir de nações que comungam princípios das chamadas religiões abrahâmicas, monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo.

E temos a audácia de chamar povos pagãos de bárbaros.

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