Ídolos embriagados.

Fosse no Olimpo grego, as declarações do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, de que ídolos do futebol embriagavam-se durante a Copa do Mundo, fosse entre deuses olímpicos, isso passaria desapercebido. Pois deuses das mitologias pagãs sempre foram dados a grandes euforias, humanos demais, demasiadamente humanos. No entanto, os deuses do futebol brasileiro não têm sido considerados como membros da raça humana, mas parte verdadeira de um universo superior, acima das fragilidades do cotidiano, seres que valem em ouro aquilo quanto pesam, aos quais se dão honrarias jamais imaginadas por cientistas, sábios ou esses que, no panteão de qualquer civilização séria, seriam considerados pessoas especiais: os professores.

No Brasil, jogadores de futebol são colocados num pedestal muito próximo do divino, sendo-lhes perdoado tudo, desde que consigam resultados que dêem alegria ao povo nessa paixão alucinante que é o futebol. Ora, desde a última Copa do Mundo – ou desde as três últimas – o Brasil tem-se recusado a admitir que seus ídolos, ainda que valham ouro no mercado internacional futebolístico, têm pés de barro. E, pior ainda, caráter – salvaguardadas as exceções que compõem as regras – duvidoso, maleável, de uma disponibilidade aterradora. Se, por exemplo, o mesmo futebolista estiver numa partida em que deveria jogar meio tempo para cada equipe, pode-se jurar, sem receio de erro, que ele irá, em cada tempo, beijar com a mesma devoção cada camisa que vestir.

O Brasil todo viu, pela televisão, o espetáculo patético dado por Ronaldinho, ex-Fenômeno, que, em campo, parecia mais personagem de comédia de pastelão do que um atleta. A comissão técnica negava-se a revelar o peso de Ronaldo Gorducho, por mais que as câmeras mostrassem o seu despreparo. E era estarrecedor ver, num campeonato mundial de tanto significado para a grande massa popular brasileira, atletas agindo como se fossem estrelas, cercados de familiares, de assessores, de empresários, escapulindo para noitadas que, agora, o presidente da CBF revela: muitos chegavam embriagados à concentração, ao amanhecer do dia. E por quê apenas agora isso é revelado?

A grande tragédia brasileira, nesses dias de valores descartáveis, está na falta de referenciais para a juventude, seja quais forem os campos de atividades que se apresentem. Multidões de crianças e adolescentes se esforçam nos campos de terra dos grotões do Brasil na esperança de, um dia, serem “descoberto” por olheiros, iniciando carreiras futebolísticas que os levem à notoriedade e à riqueza. E o espelho dessas multidões está na constelação de craques que, pelas declarações do presidente da CBF, sequer respeitam o mínimo do significado de pátria, de país, de brasilidade. Pois a seleção sempre foi, como o disse magistralmente Nelson Rodrigues, a “pátria de chuteiras”. Se é representada por bêbados e irresponsáveis, há, então, como se entender esse vazio de perspectivas no país, esse vácuo de esperanças. Os deuses do futebol não podem ser simples irresponsáveis que se embriagam. O Olimpo grego convive com deuses bêbados. O Olimpo do Brasil é pequeno demais para isso.

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