Mobilização pelo Pontífice.

A palavra pontífice tem, como se sabe, o significado de ponte, de passagem, o caminho que liga um a outro lugar, uma a outra dimensão. No caso do Pontífice Romano, o simbolismo é a união do mundo com os céus, o profano e o sagrado. Quando se faz referência, pois, à Igreja Católica, talvez seja essa a dimensão que nos falta: a duas vezes milenar aspiração de ser o elo entre o secular e o religioso, uma caminhada incessante, sujeita a todas as influências dos tempos e das transformações. No entanto, as suas, em relação a princípios, são questões pétreas, inamovíveis, de pedra e de Pedro.

Ora, não há como deixar de respeitar e admirar a influência da Igreja Católica na formação e fortalecimento da civilização ocidental, também chamada de civilização cristã, fortalecida, nos últimos séculos, pelo advento de reformas com raízes luteranas e calvinistas. Concorde-se ou discorde-se, esteja-se em seu interior como assembléia de fiéis ou distante, não há como deixar de admirar essa influência que se expandiu às artes, à filosofia, à cultura, ao conhecimento, também à ciência até mesmo quando tomada erroneamente como oposição ao religioso. É uma presença universal que, estendida a todos os quadrantes, serve de ponte também à essa conflituosa relação entre Ocidente e Oriente. Dizem, os orientais, que Oriente é o Sol; Ocidente, a Morte. Era o significado dos tempos ancestrais, o Oriente de luz, do Sol que nasce, de orientação, de Norte, de norteamento. Para o Ocidente, o caminho da morte, onde o Sol se punha: a des-orientação, o des-norteamento.

Tais reflexões, quando se anunciou a chegada dos automóveis que conduzirão o papa Bento XVI – apelidados de papamóveis – se devem ao quase espanto diante de tanta mobilização, de tantos preparativos, de tantas medidas de segurança, de organização, de estratégias adotadas como que para verdadeira operação de guerra, por falta de outra comparação. Pois todos os detalhes estão sendo observados, dos mínimos aos possíveis de serem previstos, indo-se à pretensão de se prepararem até para o imprevisível. Mas é um espanto equivocado. Pois são honras e cuidados para com um poderoso Chefe de Estado, pois o Vaticano é, também, um Estado e o esquecimento disso tem-nos, muito vezes, complicado o entendimento da responsabilidade do Papa, do Pontífice, diante do mundo. Pois ele não fala e não age e não se manifesta apenas como um líder religioso, como o chefe de uma instituição religiosa milenar, com sua autoridade moral e de fé. Age, também, como estadista e, nesse sentido, como um político, na arte de conduzir o bem público, no caso dele, a humanidade.

Em todos os lugares do mundo onde o Papa é recebido, essa parafernália de preparações e de mobilizações acontece com entusiasmo invulgar, como se o papa fosse, realmente, um “pop star”, como se dizia de João XXIII. Essa autoridade moral mudou o mundo muitas vezes, incluindo na queda do bloco monolítico do comunismo internacional, simbolizado na derrubada do Muro de Berlim. João XXIII chegou a questionar-se se o perigo, para a humanidade, vinha realmente de Moscou, se estaria em Washington, quando os Estados Unidos conquistaram a absoluta hegemonia mundial. Em Roma, o Pontífice vê, observa, fala. E – mesmo não tendo divisões do Exército, como Stalin quis saber quantas eram na II Guerra – influencia, indica, orienta. Se é seguido ou não, esse é um outro problema.

Com a chegada dos papamóveis, há um anúncio: o Papa está chegando, Bento XVI está próximo. E, com o Papa, uma história que continua, enquanto muitas e muitas outras – por mais imperiais tivessem sido – desapareceram. É para pensar. Primeiro pensar, depois comentar. E admitir essa influência poderosa que, nos tempos atuais, é a última autoridade moral ainda intacta.

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