Nova cara, mesmo coração

A vida é movimento. E isso significa mudanças. No entanto, movimentos e mudanças podem provocar efeitos os mais diversos. Muda-se para pior ou para melhor. Movimenta-se rumo a diversas direções, havendo, então, necessidade de escolhas. Se a escolha for equivocada, o movimento produz mudanças que pioram coisas, situações, pessoas.

O mundo tem passado, nas últimas décadas, por mudanças aparentemente bruscas pelas alterações drásticas que produzem. São, todavia, um processo de transformação, algo que foi tomando corpo lentamente até se chegar a uma ordem caótica que, justamente por isso, pode ser promissora. Do caos, não nos esqueçamos, surge a luz. Piracicaba, pertencendo ao mundo, vive esse momento caótico, de movimento e de mudanças, parecendo uma biruta açoitada por ventos conflitantes que impedem a localização de um norte. Crescer não é, necessariamente, progredir. Progresso é um movimento gradativo que busca algo bom. O crescimento pode nada buscar, podendo até mesmo ser mudança para pior.

A Província – em sua versão de jornalismo impresso – nasceu em 1987. Já aconteciam as primeiras transformações mundiais e o novo fenômeno universal começava a despontar: a internet. Passaram a popularizarem-se os meios eletrônicos de comunicação: computadores pessoais, telefones celulares, a internet, um processo que está longe de ter fim. É uma onda gigante, universal, avassaladora. E, portanto, transformadora. Que, vai daí, instiga perguntas ainda sem respostas:”Para onde isso vai; quem somos nós; o que aconteceu?” Encontrar o caminho em meio ao caos, à barafunda e à confusão tornou-se o desafio de cada um de nós, em nosso cotidiano e na expectativa do futuro. Até aqui, as mudanças parecem dizer que apenas o agora é importante.

Mas isso não é verdadeiro. E serão destruídas pessoas, cidades, comunidades, instituições que acreditarem no equívoco. A pessoa humana é, ainda, o grande ator dessa dramaturgia universal. E as comunidades humanas são a sua sustentação. E as cidades, o lugar de viver, de amar, de criar outras pessoas ainda mais aprimoradas, de descansar, de contemplar, de ter segurança, fraternidade e paz. O falado reino dos céus está no interior de cada ser humano e, por conseguinte, na comunidade pacífica que ele formar.

A Província, desde o início, comprometeu-se com essa visão humanista de vida e de mundo. Nosso lema – “Paixão por Piracicaba” – é a bandeira que continuamos desfraldando, a grande causa de nossas vidas,esse nosso lugar de viver e de estar que tem uma história singular, heróica e digna. Nenhuma cidade irá a lugar algum se não se sustentar a partir de sua história, de seu passado. E, desde as primeiras linhas eletrônicas que escrevemos, insistimos na palavra tradição, hoje tão depreciada. Tradição (traditio) é herança, transmissão, como uma corrida de obstáculos onde o corredor da frente passa, ao detrás, o bastão. De geração em geração, constrói-se uma história. Para melhor ou para melhor.

Já havíamos advertido – na responsabilidade profética do jornalismo – que Piracicaba estava a perigo. A herança dos nossos ancestrais tem sido – e continua – delapidada por aventureirismos insuportáveis, por ganâncias odiosas, como se a vida e o mundo fossem, realmente, esse grande mercado de compras e de vendas. Incluindo as de consciências. O perigo aumentou. Piracicaba não cresce, incha. Piracicaba não progride, desenvolve-se desordenadamente. O desleixo para com a nossa história, nosso passado, a herança dos honrados ancestrais e de um estilo de vida singular – esse desleixo nos leva a trocar o humanismo pelo materialismo bestial, a solidariedade pelo individualismo estúpido. Governar não é administrar pedras, mas pessoas. Se homens públicos não entenderem isso, deixam de ser necessários, como multidões – através de redes sociais – já o demonstram.

Estamos, pois, de cara nova, com outros recursos da tecnologia, com moços idealistas e esperançosos a nosso lado. A Província volta a se entregar a Piracicaba, grata pela participação de quase oito milhões de visitantes. De cara nova, sim. Mas com o mesmo coração, que pulsa por um piracicabanismo autêntico, digno, civilizado, decente e aconchegante. Piracicaba haverá de voltar a cultivar o belo. Pois é a beleza, segundo Dostoievsky, que salvará o mundo.

A Província quer ser partícipe do movimento para recuperar a alma de Piracicaba. Pois uma cidade sem alma é cemitério. A alma de uma cidade não está em pontes ou avenidas, mas em seu povo com sua história. Que, pois, se renove a cara. Mas que se não perca o coração. O nome disso é humanização.

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