Propriedade e moralidade.

Beira ao cinismo a facilidade com que pessoas envolvidas na crise da Unimep falam de direitos, de propriedades, de aluguéis, condomínios, etc. Antes de prosseguir, reporto-me à reflexão amarga do dr.Richard E. Senn, quando escrevi o livro “Ousadia na Educação”, registrando a história da formação da Unimep. Falou, o dr. Senn, o verdadeiro construtor dos primeiros tempos desse monumento heroico:

“Nem todos os que nos ajudaram a criar a Universidade tinham os mesmos motivos. Alguns fizeram mais pelo interesse da classe, alguns fizeram por interesse da cidade, alguns ajudaram por interesse na sua igreja e alguns, infelizmente, tinham interesses pessoais e esses interesses pessoais chegaram à tona e apareceram um pouco antes de minha saída (NA:1978). Nós deixamos a história escrever o seu próprio relatório.”

E a história está escrevendo- o . Mas, desgraçadamente, escreve-o a partir de desvarios administrativos de Davi Ferreira Barros que, por ironia da própria história, foi um dos escudeiros do dr. Senn. A história da Unimep é uma saga. E, quando me perguntam porque – agora que a idade já me alcançou – permaneço nessa luta diuturna em defesa daquela instituição, respondo com o coração sangrando: é preciso lutar, exatamente por ser heroica, brava, árdua e generosa essa história, tão heroica, brava e generosa que não pode ser alcançada por ilustres desconhecidos ou por interesses contrários ao da Universidade.

O que abisma é ver o silêncio de autoridades municipais, de ambos os poderes, que parecem absolutamente alheios ao suicídio de uma instituição gloriosa. O dr. Senn – quando, em 1993, me enviou, dos Estados Unidos, respostas a perguntas que lhe fiz – rompeu um silêncio de décadas e emocionadamente falou:

“Deus tinha razão em criar em mim a compulsão para instalar a Universidade.Era destino de Deus, de Piracicaba, do “Piracicabano”(colégio). Meus Deus! Valeu a pena.”

Se é para, como agora se faz, invocar tão facilmente o nome de Deus, deveria servir-nos de modelo e inspiração esse agradecimento do dr. Senn: “destino de Deus, de Piracicaba, do “Piracicabano” – esse criar a Universidade Metodista de Piracicaba. E frise-se isso com insistência, com vigor, com firmeza: a Igreja Metodista, nessa história, criou grandes e quase insuperáveis dificuldades para a criação da Universidade. Foi uma batalha sem tréguas. Porque, como agora, havia devotos que menosprezavam o ensino universitário, receosos, talvez, do conhecimento, da ciência, das luzes.

É por Piracicaba que se luta, não por setores da Igreja Metodista. E, por isso, é lamentável e doloroso – e a história irá cobrar o silêncio dos coniventes – essa omissão de nossos homens públicos, especialmente do prefeito Barjas Negri, que foi o primeiro presidente da Adunimep, sendo, quando estudante e professor, feroz lutador por aquele patrimônio. E agora? Não se diga que é problema da Igreja Metodista, pois não é. A Igreja se tornou mantenedora de uma instituição tendo recebido um patrimônio incalculável em propriedades e em construções.

Por isso, quando se fala tão descuidadamente em “propriedades da Igreja”, há que se questionar a moralidade de tais afirmações, não apenas a sua legalidade. Apenas para citar: nossa vizinha Santa Bárbara d´Oeste – na administração de Isaías Romano – fez, em 1977, uma grande movimentação para conquistar um campus da Unimep, ideia que fervilhara no cérebro do dr. Senn. Prefeitura, empresários, usineiros, todos se uniram e, em abril daquele ano, a universidade – através do IEP – recebeu, em doação, 108.900 m2, naquele mesmo ano. E essas terras foram transferidas, em maio de 1978, para a Associação da Igreja Metodista. Tudo legal. Mas, quando se discutem destinos da Universidade e ideais e sua sobrevivência, isso pode se tornar profundamente imoral. Pois um pote de ouro, conforme o destino que se lhe dê, pode-se tornar um lixo.

É hora, na verdade, de Piracicaba reagir a essa convulsão que vai invertendo valores, mistificando fatos e distorcendo verdades. Podemos estar diante de um estelionato moral. E seria um trágico golpe do baú. Conforme dizia o dr. Senn, quando se falava de mortes da instituição: “Se estão de luto, cadê o cadáver?” Ele ainda não existe. Mas há riscos graves de vida. Física e moral.

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