Raul

Pessoa querida perguntou-me o porquê de eu não ter escrito a respeito da morte de Raul Coury. Não precisei de muitas palavras para explicar-me: cansei-me de tantas mortes, de tantas perdas, da sensação de estar-me tornando o último a contar e, talvez, a apagar a luz. Entendo, cada vez mais, porque se diz que o mundo acaba. Pois, realmente, os mundos acabam. E está acabando o meu, o de alguns poucos que pertenceram a uma época cheia de glórias, de conquistas, de venturas e aventuras, uma Piracicaba mais digna e decente, mais honrada e orgulhosa de si mesma.

Confesso lamentar, não mais por mim ou pelos contemporâneos que ficamos, mas pelas novas gerações a quem não foi dado conhecer nossos grandes homens e mulheres, gente de estirpe e de boa cepa, construtores de um tempo. Há poucos dias, foi-se Ermor Zambello, pouco mais idoso do que Raul Coury. Cada qual à sua maneira, cada um em sua área, foram construtores de uma Piracicaba extraordinária que se vai tornando vulgar pela banalização e ignorância de nossa história, de toda uma cultura feita de peculiaridades e de conquistas.

Raul Coury transitou por onde vida em Piracicaba nos últimos 60 anos. E transitou brilhantemente, como conselheiro de todos, como apagador de incêndios, como diplomata, como consultor, como apaziguador, como que guiado pelo coração. Brilhante na advocacia, brilhante como empresário, brilhante usineiro, brilhante prestador de serviços. No Rotary, no XV, na política, na vida pública em todos os segmentos, Raul Coury deixou marcas que primaram pela honestidade pessoal, pela inteligência e, em especial, pela profunda lealdade. Foi um homem solidário, continuando a sê-lo num tempo de materialismos desenfreados.

Cansei-me, confesso-o, de fazer necrológios de homens que honraram e deram solidez à nossa terra. E, ao mesmo tempo, sinto-me profundamente grato aos céus pelo privilégio de, tendo começado ainda adolescente na vida jornalística e intelectual, ter conhecido esses homens e mulheres que são balizas e referenciais de Piracicaba. Tenho, no mais fundo de mim, medo de Piracicaba esvaziar-se de si mesma, perdendo a identidade, símbolos, signos, exemplos, trocando-os por malandros que, em nome de uma discutível eficiência em suas atividades, espalham fumaças que toldam os olhares e narcotizam consciências.

Os nossos jovens têm o direito de conhecer os grandes homens e mulheres desta terra, têm o direito de saber de sua própria história, da história de seu berço. Piracicaba é riquíssima em valores que estão ocultos pela poeira dos tropéis de iconoclastas, de oportunistas que abrem espaços com espertezas e malandragens. A juventude piracicabana precisa saber que esta terra não foi forjada por oportunismos e oportunistas, mas por homens honrados que a amaram e que a transformaram em valor fundamental de suas vidas.

Raul Coury teve paixão por Piracicaba. E Piracicaba foi apaixonada por ele. O consolo e o conforto é saber que, no silêncio e no recolhimento de suas vidas singulares, há uma plêiade de homens e mulheres, ainda gloriosamente vivos,que podem dar testemunho dessa nossa grande história. Os moços precisam conhece-la. E com urgência. Para saberem a quem prantear quando outros como Raul Coury se forem. Sem a lembrança de nossa grande gente, restará o vulgar da pequena gente. E Piracicaba nunca foi vulgar, apesar de estar tão próxima, hoje, dessa tragédia.

Deixe uma resposta