Reflexões no meu outono (I)

mudancas1Movimento é mudança. Os seres vivos movimentam-se. Logo, todos eles mudam. Pessoas, plantas, animais e – se bem pensarmos – também as pedras mudam, movidas pelos ventos e pelo homem, enfeitadas por ervas boas ou daninhas. Para o ser humano, mudança tem sabor de tragédia. Porque desestabiliza, tira sossegos, exige posicionamentos ou obriga a inércias. E, diante da tragédia inelutável, fica o desafio: o movimento promove mudanças para pior ou para melhor? Nesse cenário, há que se posicionar o homem.

Vi, quando menos esperava, meu universo pessoal ser, todo ele, invadido, agredido, violentado. Eram pobres moços, destruídos por drogas, sem qualquer noção moral. A eles submetido naquelas horas de perplexidade, não consegui vê-los como bandidos, nem como imorais. Neles, estava impressa a amoralidade de um tempo, de uma época. Os rapazes, fazendo-se agressores, não sabiam distinguir certo de errado, bem de mal, bom de mau. Foi-me uma experiência pessoal totalizante. Pois vivi a teoria na prática.

Algum tempo depois –e por longos meses – graves problemas abalaram-me a saúde. Foi uma longa e árdua luta. Mas resisti, ainda que com dificuldades que permanecem. Um dos meus médicos, com sua sabedoria oriental, me falou: “O Criador ainda espera alguma coisa de você.” Pensei muito nisso. Não sei se é o Criador, se um compromisso que assumi perante a vida, se um destino. O fato é que me é impossível ficar alheio à minha terra e à minha gente. Retorno, pois, à trincheira, lembrando-me do que, com raiva, um ex-amigo – tornado feroz inimigo – costuma dizer: “Ele é como a Fênix. Quando se pensa que morreu, retorna.” Assim seja.

Diante de dificuldades e lutas – que, na verdade, foram momentos especiais de acerto de contas comigo mesmo – limpei-me de equívocos e entrei, por fim, na reta final que tanto procurei. É um outro o papel que, agora, me reservou a vida. Não tão diferente de quantos já vivi. Mas mais maduro e, talvez, o definitivo.

O movimento de tantos desafios e enfrentamentos provocou mudanças em mim. E acho que para melhor. Pois movimento é algo autônomo, causa que provoca efeitos, que podem ser bons ou maus, dependendo da compreensão dele. Ora, o movimento, ao contrário do que muitos pensam, não acontece em linha reta, algo previsivelmente linear. Movimento tem vida própria e se dá em círculo. Logo, sem início e sem fim. O homem é jogado ao turbilhão de uma espiral, o subir e descer, precisando descer para subir, o engano da subida que empurra à descida. É esse ir e vir que explica a vida. Pois se se paralisa, se a espiral termina, estamos diante da morte ou da impotência.

Aos 72 anos de idade, chego aos meus 57 de jornalismo em Piracicaba, minha terra ainda amada. Pois, da decadência moral em que ela já se encontra, ainda a vejo heróica e resistente, mesmo que não se compreenda a si mesma na perplexidade das mudanças abruptas e do movimento em espiral. Piracicaba tem, em sua gênese, a consciência do eterno retorno que Nietscheze anteviu com tanta clareza. O vendaval está,ainda, assolando-nos, parecendo destruir valores e princípios que são de nossa gênese. No entanto, é vendaval que destrói apenas superficialidades, da mesma forma como o temporal da globalização tão somente muda o que tinha ou queria ser mudado, sem conseguir, todavia, alterar o fundamento e a raiz de uma história.

Líderes verdadeiros são pessoas visionárias. Elas enxergam antes e além. Ruy Barbosa soube como catalogá-las no universo político, lição sobre a qual deveríamos meditar mais profundamente. Aliás, há lições sem fim que o vendaval, levantando poeira, não nos permite enxergar, como que provocando uma cegueira providencial à sanha dos abutres. Percebeu, Ruy: “Políticos plantam couves para o agora; estadistas plantam carvalhos para o amanhã.”

Piracicaba está assistindo ao plantio ganancioso, ilógico, descompromissado de couves. Não há uma elite pensante. Ou, se houver, está cansada, amedrontada, acovardada. Vai daí, gananciosos plantam couves e acreditam na fórmula romana de acalmar o povo: pão e circo. Isso funciona. Mas provisoriamente. E a herança é trágica. Mas, ao mesmo tempo, fertilizante para quem se nutrir de esperança e souber, então, fazer limonada do limão ácido e amargo que lhe foi dado.

Neste meu outono da vida, após vicissitudes sem fim – e uma gotinha de sabedoria que sofrimentos e lutas me deram – quero, nestes artigos, deixar um testemunho intelectual, um quase simplório contar histórias. São reflexões de meu outono da vida. Que espero seja, à gente piracicabana, uma contribuição para cultivar e cultuar raízes. São elas, as raízes humanas, que salvam os povos, que constroem nações, que justificam a existência de cidades como lugares de viver, de amar, de ter filhos, de encontrar a harmonia e paz, de sepultar mortos queridos e de venerá-los em nossos cemitérios. Os nossos mortos clamam por nós. Estão sepultados no nosso lugar sagrado. O estrangeiro e o burocrata não têm direito de profanar a sacralidade de um povo, de uma terra.

A lição do eterno retorno já nos alcança. Tanto o mau como o bom, tanto o bem como o mal, retornam. No retorno, temos a oportunidade, talvez a última, de recomeçar, de reconstruir, de recuperar.

4 comentários

  1. Luiz Thomazi em 01/04/2013 às 13:53

    Bom retorno, Cecílio, sua “feniciana” volta alegra a todos nós, seus leitores e amigos.

  2. Carlos Arruda Campos em 02/04/2013 às 10:13

    Bons dias, Cecílio
    Amigo Platão, mais amiga a verdade. Daí então veio o terceiro que disse que a verdade é a adequação da coisa com a inteligência que se faz da coisa. O seu retorno é motivo de alegria para mim e creio que para os seus muitos leitores e amigos que se comprazem com a sua inteligência singularíssima.
    Saúde.

  3. Renato F. Jacob em 02/04/2013 às 14:04

    Bom retorno ao nosso mundo mortal! Faz-nos falta um pouco mais de sabedoria.

  4. Daniel Brilho em 03/04/2013 às 09:36

    Sempre um prazer lê-lo, bem vindo de volta Sr. Cecílio!

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