Reflexões no meu outono (IX)

TucanosUma das principais causas da deterioração das sociedades humanas é a negligência de suas elites e de seus grupos de pressão. Quando instituições, grupos de serviço, entidades, comunidades organizadas perdem a sua capacidade de indignação e de reação, surge a preponderância de uma minoria que, fatalmente, resultará em crises. Governos sem oposição, sem fiscalização, sem vigilância do povo e de seus instrumentos representativos acabam por se tornar tirânicos, mesmo que sob a capa democrática.

Piracicaba parece, lamentavelmente, ter perdido a capacidade coletiva de indignação, de senso crítico, ficando a mercê de minorias que se consideram poderosas. E assim se pensam justamente por se sentirem imunes à opinião popular e, também, impunes. Em política, há uma pergunta essencial que deveria ser feita – ou sobre ela refletir-se – constantemente – “Política: quem ganha o quê, quando, como.” Há um livro notável sobre isso, com o mesmo título, do cientista social estadunidense Harold Lasswell. É uma obra de referência, necessária para se conseguir entender a importância da ação política e seus desvios e desmandos. Se o povo não ganha, quem ganha? E esse – que ganha – ganha o quê, quando e como?

As pontes estaiadas – criadas ostensivamente sem que grupos de reação se manifestassem – servem para quê, para quem? São obras de ostentação, num tempo em que o povo se lamenta por um maior e melhor atendimento social. Ora, admitindo que pontes tenham sido necessárias, por que tão escandalosamente ostensivas? Pois é uma ostentação que não tem nem mesmo relação significante com os espaços onde se localizam. O rio, o salto, a Rua do Porto são patrimônios antes de mais nada culturais e históricos. Têm, portanto, uma identidade e uma gênese próprias. A ostentação das pontes estaiadas significa muito mais monumentos a faraós, do que respeito à sobriedade, à austeridade em relação ao patrimônio público. Ou nascem de objetivos não esclarecidos.

Houve época – não muito distante – em que o poder público era atentamente vigiado,fiscalizado, criticado por instituições da comunidade. A imprensa cumpria sua missão de vigilância; o Legislativo não admitia servilismo em relação a outros poderes, sendo espaço de grandes debates em relação à atividade executiva; entidades, clubes de serviços participavam não apenas de interesses grupais, mas do interesse coletivo. Rotary, Lions, Associação Comercial, Maçonaria, Conselho Coordenador das Entidades, a Igreja, entidades de bairros – todos tinham voz e era a voz plural de Piracicaba.

Ora, o silêncio, a omissão, a cumplicidade, a preguiça, a indiferença e a negligência de lideranças da comunidade e de elites verdadeiras são causa de perigos nem sempre evidentes, porque latentes. O povo – quando se sente ofendido por ostentações, privilégios e interesses menores de seus governantes – alimenta uma semente de alto poder explosivo: o ressentimento. Este é, a princípio, silencioso, muitas vezes individual ou de pequenos grupos. Mas, Por ser contagiante, forma nuvens também inicialmente silenciosas de ressentimento coletivo. Ressentimento é um câncer que, sendo alimentado solitariamente, se expande, prolifera,deteriorando todo o organismo social.

Reações coletivas de indignação, movimentos revolucionários, agitações, desordens nascem exatamente do ressentimento das comunidades diante dos abusos ou desrespeitos de seus governantes. Isso é histórico. E inevitável. A ostentação dessas desnecessárias pontes estaiadas – por que não apenas simples pontes, caso tivessem importância? – já provocam reações individuais e grupais de aturdimento. Ora, quem ganhou o que, quando, onde e como com elas?

Os monumentos aos faraós eram, na verdade, os seus túmulos. Piracicaba vê, já ressentida, essa ostentação ofensiva que cheira a fim de festa. Se há tantos recursos para obras que beneficiam poucos, por que a dolorosa carência em relação ao fundamental exigido pela população, como saúde, educação, segurança? Infelizmente, neste meu outono, entendo o que está ocorrendo. Mas não compreendo. Pois sou do tempo em que o povo era o sujeito da administração pública, não o objeto. Pessoas eram o centro das atenções e dos cuidados. Não os automóveis ou loteamentos devastadores do meio ambiente.

Ou seja: homens públicos serviam. E não se serviam.

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