Reflexões no meu outono (XV)

Foto: Cynthia da Rocha

Foto: Cynthia da Rocha

Quis me entusiasmar com maioria pacífica da juventude que saiu às ruas do Brasil. Mas algo há – ainda indefinível para mim – impedindo-me de avaliar as manifestações de massa que agitam o país.  É como se um punhalzinho irrequieto me cutucasse a razão, alimentando dúvidas e incertezas. Talvez, seja um problema que ainda não consegui resolver: sei da importância da intuição e, no entanto, ainda não consegui trabalhar com ela. E, apenas por intuição, sinto haver algo, nessa explosão popular, que não me convence. Não sei, pois, ainda o que pensar.

Na verdade, a incerteza não é minha, muito menos é nova. Comportamentos coletivos, movimentos sociais, explosões de massa continuam sendo tema controverso desde quando pensadores se debruçaram sobre ele. As multidões podem produzir manifestações de irracionalidade, mas, também, indicar até mesmo o início da explosão revolucionária. Sejam, porém, isso ou aquilo, movimentos coletivos revelam a existência de tensões sociais, de insatisfações com sistemas, impulsos para a mudança de uma situação para outra. A dificuldade está em se entender se são passageiros – cessando quando uma reivindicação é alcançada – se são movimentos que podem originar novas situações sociais.

Ora, não irei ficar por aqui desfiando dúvidas e incertezas pessoais, pois a confusão me parece já suficientemente grande para ser ainda mais estimulada. Fico, pois, com a intuição de que algo não me convence e me calo. Afinal de contas, quem já viu acontecer a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, e, logo em seguida, surgir a ditadura militar –  ou que participou das “diretas já” e viu a liberdade ser prostituída – há de, pelo menos, ficar com a pulga atrás da orelha. E pulgas não me faltam atrás de ambas as orelhas. E há bom tempo.

Na realidade – pelo menos para mim – esses movimentos mundiais são apenas conseqüência de uma revolução que já aconteceu. E o nome dela é apenas um: internet. A era digital levou-nos a um mundo novo, ainda em busca de alguma identidade. A própria economia de mercado – que se vangloriou de ter determinado o fim da história – está em perigo. Ou, por ser ela o perigo, todo um sistema é contestado, combatido e enfrentado pelas multidões de suas vítimas. Quando o homem deixa de ser o sujeito da economia para ser seu objeto, a reação será inevitável. Pode tardar, mas chegará. Chegou.

A internet é a grande revolução. E, pelo andar da carruagem, nada mais sobrará do mundo anterior a ela. Caem instituições, caem conceitos, caem tradições, caem culturas, caem civilizações. E, mais perigosamente ainda, fragmentam-se até mesmo as noções primárias de poder e de autoridade. O deus-internet produziu maravilhas, trazendo-nos, porém, de volta ao caos. Ora, se é do caos que nasce a luz, nada nos resta senão aguardar que ela surja ao final do túnel.

As redes sociais sociais são as formadoras de novas comunidades, esfacelando o sonho dos megalomaníacos – ideológicos, econômicos e políticos – de “um só rebanho para um só pastor”. A figura do político e do homem público tornou-se caricatural. E, como novidade pelo menos no Brasil, o político começa a ser exigido como um servidor e não, mais, como mandatário com privilégios. As redes sociais estão pautando até mesmo os tradicionais meios de comunicação, desde o jornalismo impresso ao eletrônico.

Verdades e mentiras, seriedades e farsas, grosserias e delicadezas, calúnias e denúncias reais – eis o cadinho onde tudo se mistura na internet, espaço onde o santo e o pecador, o honesto e o desonesto, o bom e o maldoso convivem ao mesmo tempo. É o caos da humanidade. E, portanto, um novo mundo à espera de seu “Fiat Lux”. Nada mais resta, penso eu, senão aguardar que a poeira dessa grande explosão desapareça, para podermos, então, enxergar o panorama. E, então, biblicamente, tentarmos separar o joio do trigo.

Vai daí, não consigo avaliar essas marchas que sacodem o Brasil. Seriam, realmente, movimentos sociais, ou comportamentos coletivos como sementes primeiras de transformação? Essas marchas criarão novas identidades ou, passada a grande tensão, tudo voltará a ser como era? Uma nova sociedade se forma quando movimentos sociais se caracterizam pela consciência de um destino comum e, também, por uma comum esperança. Se assim não for, marchas serão apenas um “boom”, moda, explosiva irritação de momento. Seria uma pena.

Bom caipira que sou, fico observando as explosões, idealismos, irracionalidades e, vendo tudo misturado, penso na advertência dos mais sábios: “Cuidado com o andor, que o santo é de barro.” E me acautelo.

(NA: Esse texto foi publicado na edição de 21/06/2013 no Correio Popular, Campinas.)

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