XV e desperdício.

Na verdade, este jornalista insiste apenas por teimosia e por consciência de missão. Enquanto estiver vivo, haverá de ver, ouvir, pensar, falar. Piracicaba está, no mundo globalizado e diante de desenvolvimentos espantosos, num atraso doloroso, nessa paradoxal e contraditória caminhada entre o progresso e a paralisia. A economia e a tecnologia chamam e convocam e apelam para rompimentos de tabus e de preconceitos. Mas o hábito da mediocridade – adquirido durante a ditadura militar e com filhotes que insistem em se manterem vivos – impede caminhadas e, pior ainda, puxa para trás.

A angústia de quem já viveu antes, de quem já viu o que houve, de quem sabe dessa caminhada – essa angústia é a de presenciar a manutenção não mais de princípios, de valores, de continuação de uma história, mas a da preservação da mediocridade, a da repetição de erros e de equívocos. E poucos símbolos e referenciais e instituições – como esse sofrido Nhô Quim – dizem tão eloqëntemente dessa nossa agonia. O XV é paixão, marca, griffe, elo de união. Mas de quem é o XV, a quem pertence?

Ora, pode parecer teimosia fazer tal questionamento, mas a gênese do X V, do Nhô Quim, diz dessa orfandade. O XV é do povo, mas tem sido paternalizado, conduzido por patronatos, mecenatos, messianismos. O XV nasceu num quintal, foi sonhado e amado e acalentado pela paixão de uma cidade, através de esportistas, sonhadores, intelectuais. A partir de seu ingresso na Divisão Especial (a 1a. Divisão), essa história original desfigurou-se, mas mantida no ideário e na consciência de nossa gente. Pois o XV passou a ser dirigido, comandado, administrado por políticos, lideranças econômicas, empresários generosos mas personalistas.

O povo piracicabano participou da vida do XV nas arquibancadas e nas gerais, no silêncio de suas casas, onde houvesse uma transmissão radiofônica ou uma informação jornalística. O XV foi sempre “mandado”, ao sabor de cada dirigente. Pois “ser presidente do XV” passou a ser como que uma honraria, um reconhecimento público ou um meio para ascensão política ou social. Mesmo os idealistas que dirigiram o XV foram, no fundo de si mesmos, narcisistas. A história registra essa trajetória: de Gerolamo Ometto aos Guidotti (João, Luciano), a Bento Gonzaga, a Romeu Italo Rípoli, a Humberto D’Abronzo, a Gustavo Alvim e a Rubens Braga, a dr.Cera e a uma sucessão de amadores cujos nomes já sequer são lembrados – a trajetória é amadorística. E paternalista. Com Adilson Maluf, repetiu-se.

Ora, quando Adilson Maluf aceitou a presidência do XV, saudamo-lo, com uma única objeção: ele seria um bom e providencial comandante, desde que não fosse candidato a cargos eletivos. Ele não se candidatou. E foi e é um bom presidente. Mas com uma falha genética, hereditária, maldição que acompanha esse DNA do Nhô Quim: Adilson Maluf repetiu os ditos homens providenciais, os salvadores, os messiânicos. E o XV – como aconteceu e tem acontecido – não consegue chegar à outra margem do rio. E se torna símbolo de uma outra Piracicaba, a Piracicaba solitária ou apenas oportunística, oscilando entre o esclerosamento das duas últimas décadas e o aturdimento diante do novo, de um tempo em que competência e profissionalismo estão vinculados à inteligência, ao comunitário, ao social.

A derrota humilhante do XV doeu, dói. Mas poderá ser generosa, fértil, fecunda, se Piracicaba passar a entender que tem singularidades e personalidade especialíssimas, que é um histórico testemunho de pioneirismo, de recusa ao aventureirismo. O XV é parte dessas nossas entranhas, de nossas vísceras, de nossa gênese. Parte da pamonha, da pescaria, da polenta, da pinga e da cachaça – parte dessa caminhada fantástica os barões, dos republicanos, dos pensadores. Adilson Maluf pode e deve ser presidente do XV, desde que, no entanto, entenda e perceba que os tempos não são outros, mas que eles continuam, desde que renovados, repensados, atualizados. Adilson Maluf conseguirá levar o XV à frente se, primeiramente, admitir que nada entende de futebol, uma ciência, uma arte e um valor econômicos universais. E, então, cercando-se de quem entenda, poderá gerenciar o sonho. O XV é sonho. E, portanto, inadministrável. Apenas gerenciável.

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