Busca do cantochão

Por acaso, vi, num desses entardeceres, velho amigo descendo a escadaria de uma igreja. Há muitos anos, isso lhe é parte de um ritual quase diário. Mais do que pedir, ele agradece. Tal rito de gratidão parece convencê-lo de que, por mais longo seja o túnel, ao final surgirá a luz. Então, as belezas da vida devem aflorar-lhe da simplicidade mesma das coisas; o silêncio interior brota até do murmúrio das multidões; a paz não se perde nem em campos de batalha. E há que se lembrar: felicidade é algo complicado; bem-aventurança é mais simples. E, por isso mesmo, mais difícil.

Meu pangaré envelheceu, descansa em pastagem silenciosa. Mas houve tempo em que, no lombo dele, percorri estradas, conheci mundos hostis, multidões ululantes. E ele levava-me, de quando em quando, a assistir às vésperas dos beneditinos, na Igreja de São Bento, na capital paulista. O mundo serenava diante daquele universo simples e linear: os monges, diante do altar; o órgão, anunciando a chegada da paz e do louvor. Era um canto de amor que se espalhava, cálido e envolvente, penetrando as coisas e aninhando-se no coração das pessoas.

Foram-me, realmente, experiências admiráveis, como se houvesse dois mundos, conflitantes entre si. Saía-se de um – agressivo, ruidoso, hostil – e, abrindo-se apenas uma porta, ingressava-se num outro, diverso e oposto. E, agora, esse nosso acelerado processo de suicídio coletivo, essa escolha pelo pior, pela feiúra, por um materialismo apenas enganoso? Sinto estarmos dominados por um masoquismo generalizado, uma doentia vontade de sofrer.

Houve tempo,pois, em que entendi ser, a paz, mais do que sonho. Basta sensibilidade para encontrá-la. Saber-se-á, então, não haver cidades desumanas, mas homens que se desumanizam. É mais gratificante ser pessoa humana do que fera. Precisamos reencontrar um cantochão. Acho.

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