Pé-de-moleque

Quando eram pequenos os meus netos, eu olhava-lhes os pés tão limpinhos, angelicais, delicados, quase virginais – olhava e entristecia-me. Meus netos não tinham, jamais tiveram “pés-de-moleque”. E minhas duas bisnetinhas, sei, também, que jamais os terão. Sinto pena, o coração confrangido da saudade que sinto no lugar deles. E sentir saudade no lugar do outro é dolorido.

Penalizo-me – e não o faço por pretensão ou prepotência – de uma nova infância que surgiu. Ora, não é que lhe devamos impor costumes antigos, que dizem ultrapassados. Mas não deveríamos ter sido relapsos, negando-lhes alegrias, aventuras, riscos que – vividos na criancice – formataram homens e mulheres notáveis. Tradição – ai! Já me cansei de insistir nisso – significa transmissão, herança. Ela é um imperativo categórico do ser humano. Mas foi sepultada em nome de novas tecnologias e modismos.

Por que – céus! – não pode, uma criança,  subir em árvores mesmo com o viciante celular no bolso? Por que não levar o tablet à beira do rio? O que custa pular-corda, saltar amarelinha, jogar bolinha de vidro, futebol na calçada ou em chão de terra – mesmo com o celular ao lado? Cadê criança com o dedão do pé esfolado, com cascão na sola do pé, calcanhar rachado? Cadê criança pisando em prego enferrujado, em caco de vidro, com unha encravada, com esparadrapo embebido em mercurocromo cobrindo machucado? Por que não brincar de Tarzan, de Batman, preferindo, em vez, que os “games” façam isso em lugar delas?

Crianças, tínhamos pés-de-moleque, quase todos nós. E isso era tão bonito que até nome de doce se tornou. Mudanças nunca significaram destruição. Muda-se o desnecessário; conserva-se, porém, o essencial.

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