Barraco do Frei Sigrist é tombado como patrimônio histórico pelo Codepac

O Barraco do Frei Sigrist, símbolo da luta da comunidade do Jardim Glória por moradia, foi tombado como patrimônio histórico pelo Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba). O tombamento da construção onde o frei Francisco Erasmo Sigrist viveu enquanto ajudava a comunidade a se erguer, foi possível após o trabalho de urbanização, feito pela Prefeitura, e a entrega das escrituras aos moradores – o que aconteceu no início de julho.

O Codepac também aprovou abertura de processo de tombamento dos objetos e o registro do Frei Sigrist como bem imaterial, o que possibilitará a formalização de um memorial do Frei Sigrist.

O barraco fica na alameda de mesmo nome do frei franciscano que viveu na comunidade de 1985 até sua morte, em 18 de outubro de 1998. A construção simples, em madeirite, chão de cimento e sem forro, com dois quartos pequenos, sala, cozinha e banheiro, conserva um acervo de objetos que pertenceram ao frei, como utensílios, estolas, calçados, Bíblia, móveis, além de obras de arte, artesanato e manuscritos, da época e acrescentados depois.

O secretário de Governo e Desenvolvimento Econômico e presidente do Codepac, Kleyton Rohden, conta que o processo de tombamento teve seu início em 2002, mas em virtude de ser um local sem regularização fundiária, não foi possível dar sequência. Entre idas e vindas, após a conclusão da regularização fundiária pela Prefeitura, o prefeito enviou ofício ao Codepac, solicitando a reabertura do processo e foi possível, então, concretizar o tombamento – um grande desejo da comunidade.

“O barraco em que morou Frei Sigrist acabou se tornando um memorial, especialmente para os moradores do bairro, que mantêm muito respeito e admiração pelo religioso. Com o tombamento, o barraco passa a ser protegido como patrimônio histórico e cultural, tendo sua preservação resguardada por lei, não podendo ser alterado, descaracterizado ou demolido”, explica Rohden. “Após a aprovação do tombamento será emitido o decreto e feito o registro no livro tombo, onde constam todos os tombamentos do Codepac”, finaliza.

O Codepac é um órgão ligado à Prefeitura por meio da SemacTur (Secretaria Municipal da Ação Cultural e Turismo), Pasta comandada pela secretária Rosângela Camolese. “O tombamento do barraco perpetua a história e memória, não apenas do Frei Sigrist, mas de toda uma comunidade, deixando um legado vivo e presente para todos piracicabanos”, aponta Rosângela.

A presidente do IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba), órgão responsável pela preservação da memória e história piracicabanas, Valdiza Maria Capranico também comemora o tombamento. Para ela, Frei Sigrist extrapolou sua missão como religioso ao auxiliar os moradores e viver com eles e como eles. “Em um humilde barraco, viveu e morreu. Hoje, a comunidade é um bairro – o Jardim Glória -, como ele queria. Cremos que o barraco onde ele viveu deve ser um monumento, um exemplo de amor ao próximo. Tombado, terá eternizados o amor, o respeito e a gratidão de toda Piracicaba”, ressalta.

Memória

O Barraco do Frei Sigrist é daqueles locais que oferecem uma sensação de paz para quem chega. Não é conhecido por muitas pessoas, o que irá mudar a partir do tombamento. O fato era muito esperado pela pedagoga Débora Razzé que, voluntariamente, cuida da limpeza do local desde 2018, quando ocorreram eventos para lembrar os 20 anos de morte do frei. “Conheci a história do Frei Sigrist por meio do Claudinei Pollesel (historiador, autor da biografia do religioso) e, desde então, cuido da manutenção. É uma sensação muito boa. Aqui aprendi muita coisa. Comecei a ter mais fé e a ser mais humana”, confessa Débora. O espaço, agora, ficará aberto à visitação às segundas-feiras, das 8h às 11h e das 13h às 16h30.

Dona Joana Maria de Jesus Lima, 86 anos, sente muita saudade do Frei Sigrist, seu vizinho de frente. Ela e o marido José foram os pioneiros do Jardim Glória, onde chegaram em 1977. “Aqui era mato. Fui na Prefeitura e pedi para o prefeito um cantinho para fazer um barraco”, lembra.

O marido de Joana trabalhou para o frei e construiu muitas das casas existentes hoje no bairro. “(O Frei) Ajudou todos que estão aqui. Deus o levou, mas deixou sua benfeitoria. Meu marido trabalhava na fábrica de blocos que tinha aqui e levantava as casas”, lembra ela. “Fico muito feliz (com o tombamento) porque do modo que estava poderia até ser invadido. É uma satisfação”, comemora dona Joana.

Para o Frei José Orlando Longarez, que morou com Frei Sigrist na comunidade do Jardim Glória, o tombamento do Barraco é o reconhecimento histórico da vida simples e humana de um pobre frade Capuchinho, que se entregou na convivência com os pobres favelados. “A realização deste tombamento de um barraco de favela – maloca querida por todos nós, frades, que moramos aí com Frei Francisco Sigrist, ´adindonde nois passemus dias feliz de nossa vida´ – é o reconhecimento do valor atual da vida simples, em tempo de pandemia, em tempo em que o mundo tem um outro Francisco, o papa. Os nossos três Franciscos são homens ligados a Cristo Jesus. O papa Francisco escreveu que ‘Jesus é o Evangelizador e o Evangelho em pessoa. Identificou-se especialmente com os mais pequeninos. Isto nos recorda que precisamos cuidar dos mais frágeis da Terra’. Assim viveu Frei Francisco aqui no Jardim Glória. Por isso falo da beleza do gesto da cidade de Piracicaba, que superando a desconfiança contra os pobres que ocuparam este espaço sagrado da cidade, onde Frei Francisco deu a vida, hoje realiza o tombamento do barraco no Jardim Glória”, comemora.

“Meu sonho é um jardim”

O historiador, autor da biografia do religioso, intitulada Deo Omnis Gloria – Frei Sigrist, A Vida de um Homem Santo, Claudinei Pollesel, conta que Frei Sigrist nasceu em Helvétia, distrito de Indaiatuba, em 30 de maio de 1932.

Os frades capuchinhos chegaram ao Jardim Glória em 1985 para viverem naquela favela “como pobres, para os pobres e com os pobres”. Vieram os seminaristas Carlos e Toninho, acompanhados pelo guardião frei Francisco Erasmo Sigrist. Assim surgiu a Fraternidade Nossa Senhora da Glória.

Na época, a comunidade do Glória contava com 30 famílias, que atuavam na construção de suas casas por meio de mutirão, com verba que Frei Sigrist conseguiu junto a entidades suíças. Segundo Pollesel, no local, Frei Sigrist viveu em busca da realização social e vida religiosa, até sua morte em 18 de outubro de 1998, quando encontrou-se com a “irmã morte”. Era uma manhã de domingo. Estava com 66 anos de idade e 14 anos de sacerdócio. Este encontro fatal aconteceu na cozinha do barraco do Jardim Glória.

Levado para ser velado na Capela Santa Clara e São Francisco, do Jardim Glória, lá permaneceu até às 14h, quando, após a celebração da missa de corpo presente, foi transladado para Helvétia, onde foi sepultado, junto de seus pais.

Pollesel lembra que, quando Frei Sigrist se referia ao Jardim Glória ou quando era questionado sobre o motivo de sua permanência ali, respondia com uma frase, que ficou como uma marca sua: “Meu sonho é um jardim e o meu jardim é o Jardim Glória”.

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