Roggero Chiarinelli: “A música ajuda a viver melhor”

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Roggero Chiarinelli abriu, há quase 30 anos, o primeiro estúdio de gravação profissional de Piracicaba, o Soul Mix, ativo até hoje. Eram outros tempos, em que música não dialogava com a tecnologia e as pessoas diziam que era “loucura” ele querer se manter apenas de música. Mas a aventura virou coisa séria, ele enfrentou muitas dificuldades, sem desistir. Nessa entrevista exclusiva, Chiarinelli fala sobre as transformações da música e sua importância para uma vida melhor.

 

A Província – Já são quase 30 anos do Soul Mix. Foi pioneiro na cidade?

Roggero Chiarinelli – Foi pioneiro. Primeiro estúdio profissional montado aqui em Piracicaba. Tem vedação acústica, para não sair o som para os vizinhos, a gente pode trabalhar até de madrugada. Banda de rock tocando alto não incomoda ninguém.

A que você atribui essa permanência, já que tantos estúdios ficaram pelo meio do caminho?

Acredito em profissionalismo. A gente sempre trabalhou direitinho, tentando tirar o melhor de todos. E sempre teve sucesso o trabalho da gente. Tem artistas que gravaram cinco CDs na carreira e todos comigo. Ficou contente com o primeiro resultado, senão não voltaria, né? Acredito na credibilidade, sempre levei muito a sério.

Quando você começou, não pagou o preço do pioneirismo? Não ouviu muito “você tá maluco de querer fazer isso em Piracicaba”?

Totalmente, ouvi demais. Mas foi um desafio pra mim. A maioria falava que eu era maluco. Eles não conheciam esse mercado, que não existia antes. Existiam três ou quatro estúdios no Brasil, que trabalhavam para as grandes gravadoras. Ou você era da gravadora, ou não conseguia gravar um disco. Era impossível. A tecnologia era muito cara. Montei um pequeno, mas com o mesmo propósito e o mesmo resultado.

Em termos de Interior, foi um dos primeiros?

Um dos primeiros. Tinha uns em Campinas, mas pouca coisa além disso. A indústria fonográfica dependia dos grandes estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro e eles eram caríssimos. Quem conseguisse gravar um disco já era vitorioso. Só o fato de você ter conseguido gravar já era consagração.

O piracicabano tem isso de não valorizar quem faz as coisas aqui?

Ainda tem. É a mania de achar que as coisas de São Paulo e Rio é que valem, que não podemos ter o mesmo desenvolvimento. É um certo bairrismo ao contrário. Eu defendo o que é da cidade, acredito na nossa produção cultural. Um artista daqui só fica reconhecido se for para a televisão.

Alguns cantores daqui dizem que o público cobra que eles se candidatem ao The Voice, por exemplo…

Como se isso resolvesse! Infelizmente, existe esse afunilamento de pensamento. “O que vem de lá é bom”. Acho que a gente tinha de pensar o contrário. Porque quando ele vai ao Faustão e todo mundo tirou o chapéu, ele não fazia música antes? É o tal “santo de casa não faz milagre”. Acho isso péssimo!

Mas é difícil trabalhar com cultura em Piracicaba, não?

O músico, que é minha área, passa por muita dificuldade. Instrumento cara, não tem isenção de imposto. E o preço do instrumento está caríssimo. A outra dificuldade é o retorno financeiro, porque os espaços estão cada vez menores. O investimento em cultura também diminuiu. A gente não tem muito apoio. Tem que fazer acontecer!

E quando se fala em crise, a cultura é a primeira que sofre.

Quando se fala em crise econômica, me perguntam: pegou o seu setor? O meu sempre pega!

Quando você começou, em 1990, a gente estava no governo Collor. Como foi?

O Collor, apesar de tudo, uma coisa boa, ele fez: liberou a importação de instrumentos musicais. Antes, era proibido você ter instrumento importado. Os músicos tinham até medo de expor o instrumento e o fiscal perguntar da nota. O mercado nacional ficava protegido. Tem fabricação de saxofone no Brasil? Então você não podia importar. Só que a qualidade era bem diferente. Hoje tem baterias, que é meu instrumento, feitas aqui e de boa qualidade. Antes não tinha.

E como foram os primeiros anos do Soul Mix?

Foram bons, porque era novidade. Lembro que uma banda vinha marcar horário, só tinha para três meses depois.

Que artistas famosos passaram por aqui?

Se falar de nomes, vou ser injusto, porque passaram muitos. Nós gravamos, nesse tempo, por volta de 400 CDs.

O Falamansa começou aqui?

O primeiro demo deles foi gravado aqui. Tive vários sertanejos, como Cezar e Paulinho, Edson e Hudson, Mazinho Quevedo. A produção era da gravadora deles, eu só alugava o estúdio.

Naquela época era totalmente diferente, não havia internet e estava começando o CD. Como era o processo?

A gente gravava em vinil e fita cassete. Fazia matriz em vinil e mandava para a fábrica, que fazia a prensagem. E tinha a opção da fita cassete, que era horrível, com chiado, enroscava no toca-fitas. Era uma coisa bem primitiva.

Mas logo em seguida teve um boom do CD, não?

Teve sim, porque a qualidade melhorou muito. Quando entrou o digital, a gente teve muitas ferramentas para trabalhar. Você pode cantar desafinado que eu afino. O músico tocou errado, eu arrumo.

E como ficou com a chegada das plataformas digitais?

O CD físico está condenado a acabar. No Brasil, sempre leva um pouco de tempo.

Você é saudoso disso?

Não, a música tem que ir para a frente. O que importa é a qualidade.

Essa mudança afetou os estúdios?

Afetou sim. A tecnologia está disponível no computador. Muita gente grava em casa. Ele precisa gravar em estúdio se quiser uma qualidade profissional. Mas hoje em dia isso não é muito valorizado. A qualidade não é o que mais importa. A música vale mais que a qualidade da gravação. Para muitos, o que vale é o custo zero.

A música não foi nivelada por baixo?

Totalmente! Todo mundo posta qualquer coisa e às vezes o pior é que faz mais sucesso. A qualidade está péssima. Estamos no “quanto pior, melhor”.

Hoje que tive de artista te procura?

O underground não procura, grava em casa. Os grandes artistas procuram, mas acontece que a maioria deles já tem seus próprios estúdios. Estou sentindo afetar, caiu muito o mercado. Se você quiser gravar, grava esta semana.

Mas está dando para segurar as pontas?

Estamos sobrevivendo. A crise está ruim pra todo mundo. A gente tem que investir muito. A questão é que a gente não sabe pra onde vai esse mercado. Tenho também de constantemente fazer troca de equipamentos. Antigamente levava dez anos para ficar obsoleto. Hoje em um ano já era!

Precisa ser idealista para continuar?

Precisa. E ter paixão pelo que faz!

Hoje se diz que a música brasileira está de péssima qualidade. Você concorda?

Esses dias li uma definição que achei muito interessante. “Se você não está ouvindo música boa, é porque está procurando no lugar errado”. Porque tem música boa sim, artistas de talento. Estão por aí, desconhecidos, mas existem. Então, o que está na mídia é tudo manipulado.

Sempre se coloca a mídia como vilã. Acha que ela é mesmo responsável?

É uma vilã real! A Globo divulga quem ela quer, faz o que quer com o mercado, quem ela lança vira sucesso. Quem ela põe no ostracismo fica esquecido. Um artista que vai no modismo, num ano vende um milhão de cópias e no outro ninguém lembra. Até os The Voice da vida são esquecidos. Já uma Marisa Monte não vende milhões de cópias, não aparece na televisão, mas tem um público fiel que a acompanha e sempre vai comprar o trabalho dela.

Quando você descobriu que queria ser músico?

A sensação que eu tenho é que a primeira vez que toquei uma bateria sabia que era aquilo que eu queria. Antes disso, era um garoto desencontrado. Não queria ser médico, doutor.

Sofreu pressão para seguir outra carreira?

Muita! Hoje você quer ser músico, vai fazer faculdade na USP ou na Unicamp. Naquela época só tinha faculdade de música erudita. Fiz Publicidade e Propaganda na Unimep porque trabalhava com jingles e uni o útil ao agradável. Estudei por conta, no Conservatório de Tatuí, no Rio, em São Paulo. Não busquei a formação acadêmica, mas a informação.

Você sempre viveu de música?

Sempre e acho um privilégio. Tenho quase 40 anos de carreira. Com 15 anos já tocava na noite, fazia baile.

Integrou quantos grupos?

Muitos e de vários estilos. Aqui na região, para trabalhar, tem que tocar de tudo. Já toquei sertanejo, já tive banda de rock, tive uma banda de jazz muito conhecida chamada Suvaco de Cobra.

Essa foi marcante. Qual era a formação?

Tinha Marquito Cavalcante, que hoje dá aula em faculdade dos Estados Unidos. Tinha Ariovaldo Contesini, percussionista, ele tocava com a Gal Costa e foi ele que me levou para o Rio para estudar. Tinha Edu Hebling, que hoje vive na Itália. São pessoas daqui, que me enchem de orgulho mas pouca gente conhece.

Você nunca teve vontade de ir pra fora?

Eu não, sou mais caipira mesmo! Nem de São Paulo eu gosto. Fiquei lá um tempo mas não me adaptei. Gosto de coisas simples. Me cobram isso. Perguntam: “o que você ainda está fazendo aqui?” Mas esse é um sonho dela, não meu.

Você já tocou o que não gosta?

Demais! Essa é uma coisa negativa da profissão. Se você depende financeiramente da música, tem que ter algo que venda. Adoro jazz, mas é difícil viver só dele. Já trabalhei com música sertaneja, mas tocando bateria. Na música, a sinceridade é muito importante. Se você quer montar uma dupla sertaneja por que está dando dinheiro, pode esquecer. Não vai convencer. Só vai se realmente tiver o coração, se gosta, se transmite isso para o público.

O que é a música para você?

É uma das melhores coisas que existem nesse mundo. Quando você tira a música, só sobram problemas. Quando estou de folga, ouço música. Ouço o tempo todo.

Suas quatro filhas vão seguir a carreira?

Não sei se profissionalmente, mas todas usam a música como hobby.

Como pai de adolescentes, é inevitável que elas ouçam porcaria de vez em quando. Como reage?

Nunca precisei falar “o que é isso que você está ouvindo?” Elas já são influenciadas porque desde bebês eu colocava Mozart para elas. Sem que eu precise reprimir. Porque preconceito musical não é legal, como qualquer preconceito. Se todo mundo quer ouvir funk, quem sou eu para condenar? Mas tive sorte porque parece que elas gostam de música boa.

A música é um remédio?

A música ajuda a viver melhor. Ela emociona. Assista um filme de terror e tire o áudio. Não tem medo mais nenhum. Você tem como fazer a pessoa sentir alegria, tristeza, angústia. Tem música que me deixa nervoso, tem música que me acalma. É remédio pra tudo. Imagina o mundo sem música: não teria a menor graça!

6 comentários

  1. Maria cecilia abramides gonçalves silva. em 02/03/2018 às 07:21

    Pois é Roggerinho ,sempre ouvi que você era muito dedicado à musica ,que fez um estúdio na garagem da sua casa ,na época ,que íamos mais vezes à Piracicaba .Sempre tive curiosidade e queria conhecer.Hoje lendo o artigo ,fiquei sabendo do seu ¨Pioneirismo ¨,que na minha opinião tem muito mais valor .Parabéns !

  2. Gilberto moreira (Gilguitar) em 02/03/2018 às 10:17

    Esse cara além de ser um excelente Músico e que influenciou vários músicos de Pira, inclusive eu e meus irmão Boka e Andrésinho e vários Músicos da região é região também um ser humano extraordinário.Muito obrigado Rogérinho por tudo.

  3. marcelo em 02/03/2018 às 15:31

    Bela entrevista e parabéns pelo entrevistado

  4. Fábio Nascimento em 02/03/2018 às 17:17

    Tenho orgulho de ter trabalhado com o Roggerinho no início do estúdio!!!! Muito profissionalismo!!! Sucesso merecido!!!!

  5. Marcelo Santos em 03/03/2018 às 09:12

    Feliz em ler a entrevista com este cara que eu admiro muito. Saber mais sobre seu pioneirismo e como pensa em relação a música.

  6. Sandra Reis em 07/03/2018 às 19:52

    Sempre bom poder ler suas entrevistas…
    E Roggero alem de ótimo músico é uma gde pessoa. Parabéns Ronaldo…

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