André Boaretto: “O cururu resiste”

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Boaretto (de óculos) com cururueiros

O cururu, nossa música mais autêntica, tem sido a inspiração principal do documentarista piracicabano André Boaretto, 39. Além de dirigir um curta-metragem sobre os cantadores, chamado O Cururu Piracicabano, ele tem vários projetos para que a tradição não morra, vitimada pelo descaso e a tecnologia. Nesta entrevista exclusiva, Boaretto fala sobre outros trabalhos ligados à música e à meditação.

A Província – O cururu de Piracicaba está morrendo?

André Boaretto – Os cantadores sim. Mas o cururu, por ter essa ligação muito forte com a cidade, resiste. Musicalmente, o cururu é a nossa raiz. Existe um público que ainda admira muito o cururu, principalmente o pessoal antigo. Existem algumas gravações, foram feitos alguns registros. Então, vai continuar como nossa manifestação cultural autêntica. É uma arte desafiadora.

Os cantadores não transmitiram essa arte?

Está diminuindo, como várias outras tradições. A tecnologia acaba atraindo muito mais. É uma coisa muito simples: uma viola e um cantador. A questão não é tão falta de interesse em transmitir, mas é que os jovens não se sentem tão atraídos. E também uma arte que vem dos anos 50, por aí. São senhores e muitos morreram recentemente, como o Jonata Neto e o Milo da Viola.

Não existem novos cururueiros?

Tem poucos, mas eles têm pouco espaço. Sei que terá um encontro de cururu dia 5 de maio em frente à Femaq, na saída para Saltinho. É um espaço de uma pessoa que gosta, um admirador, e reúne a turma. Em outras cidades também acontecem alguns eventos. Mas é uma coisa rara, perto do que já foi, com shows na praça.

Eles ficam à margem de divulgação?

Isso acontece por serem senhores, de uma geração que não está acostumada com internet. E não pensam em novas alternativas. Foram feitas algumas tentativas, por exemplo, de juntar o cururu com o rap, ambos com a raiz do desafio, do improviso. O Sesc fez isso e foi muito bacana. Atrai público diferente. Só que não existe ninguém fazendo isso de forma contínua. O cururu resiste, porque tem quem admire, como vários estilos de música.

Desde quando você se interessa por cururu?

Eu comecei a me aprofundar há uns sete anos. Primeiro por uma necessidade desse legado, pois tinha muitas coisas gravadas em áudio. Percebi que os cururueiros estavam numa situação delicada, em termos de idade e de saúde. E aí comecei a juntar depoimentos.

Fez um filme?

Meu primeiro filme foi Musicalidade Piracicabana, com vários outros estilos além da música raiz. Era um panorama. Depois fiz um só sobre o cururu, chamado Cururu Piracicabano. Foi lançado há três anos e no YouTube já está com 18 mil visualizações. É uma coisa que a turma procura, gosta. Tem público. Não são milhões de views, mas 18 mil para um vídeo é considerável. Ainda mais um documentário.

A partir daí, renovou seu interesse?

Hoje estou com um projeto, junto ao FAC (Fundo de Apoio à Cultura), para fazer apresentações de cururu na Estação da Paulista. Ainda aguardo a conclusão.

Iriam se apresentar os novos cantadores?

Não só os novos. O Toninho da Viola é hoje um nome muito forte na cidade. Ele é um violeiro muito bom, de tirar o chapéu, e canta também. Faz imitações, tem uma memória.

É uma tentativa de modernizar? Abel Bueno dizia que isso estava tornando o cururu debochado…

Cururu é coisa de desafio, jogado no ar, na hora. E às vezes a resposta pode cair numa certa apelação. Mas isso depende do cururueiro e é uma coisa relativa.

Mas não é essa coisa de modernizar, como o sertanejo universitário fez com o de raiz?

Acho que, para isso, o cururu tinha de ser mixado com outros estilos. Tenho a intenção de levar o Toninho da Viola para tocar com a orquestra. Essa troca de estilos é interessante. Seria uma coisa muito inusitada.

Acha que os jovens podem se interessar?

Alguns sim, mas não se pode esperar isso da maioria.

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Em que mais atua sua empresa, a Alma Filmes?

Tenho trabalhos corporativos, com empresas, e com música. Mas é o corporativo que sustenta a empresa. Os documentários envolvem sempre um orçamento apertado.

Gosta disso desde quando?

Comecei a trabalhar com vídeo nessa linha de documentário. Fiz uma turnê com uma banda de São Paulo, Cólera, isso em 2004. Sempre gostei mais do realismo, com alguns toques de ficção.

Piracicaba valoriza?

É difícil em todo lugar! Piracicaba é reflexo de um todo. Mesmo se a gente tivesse um governo que favorecesse. Sempre pensei em fazer algo que está próximo de mim e que me represente. Neste sentido, aconteceu o cururu que é uma coisa tão específica nossa. Tão particular! E se você pegar essa região do Médio Tietê, tem uma identidade cultural enorme. O sertanejo é muito fruto disso.

Você nunca pensou em fazer outra coisa?

Tenho formação em engenharia ambiental, era para estar seguindo uma carreira acadêmica. No final do meu curso comecei a trabalhar com o jornal do diretório acadêmico. Fui para a área de comunicação. Minha vida deu uma guinada e fiquei meio sem direção. Aí veio a produção de vídeo.

Aí trocou de profissão?

Entrei de sola. Tive a oportunidade de trabalhar com a TV comunitária da cidade. E fui totalmente para essa área. Aí comecei a fazer vídeos relacionados a ambiente.

Você é músico também?

Não me considero músico, mas tenho um grupo e gosto muito de música. Toco guitarra, mais por intuição, e tenho uma proposta com a música. Sou um curioso, não paro.

Segue qual estilo?

É música voltada para meditação. Meu grupo é o Hindus Project. É música para uma viagem interna. São climas para introspecção.

Você é budista?

Sigo uma filosofia com a qual tenho mais afinidade, a Brahma Kumaris.

Como é incentivar a meditação numa época em que as pessoas estão tão ligadas?

A meditação é uma ferramenta para você conseguir administrar essa turbulência, todas essas informações. Para a gente não se envolver tanto em discussões, como no Facebook.

De que forma se pode diminuir isso?

Isso acontece quando a gente permite que essa tecnologia seja o fluxo da nossa vida e do nosso pensamento. Aí a gente fica à mercê dela, está na mão dela. Eu penso que a gente tem de fazer um exercício contrário. A nossa vida tem de ter um fluxo próprio. A gente tem de estar presente. Com isso, todo o resto passa a não ter mais tanta importância.

 

 

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