Douglas Mayer, o homem que fez a cara de A Província

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Cartum de Douglas Mayer publicado em A Província

Foi o talento inquieto do artista Douglas Mayer que criou o visual do jornal A Província, em 1987. Era uma proposta ousada e inovadora, mas ele não teve receio de aceitar o desafio. Douglas criou uma identidade visual que hoje se chama de “vintage” e ao mesmo tempo equilibrava com uma proposta editorial inovadora. “Era tão arriscado que me pintou insegurança”, relembra. Hoje morando numa cidade litorânea do Paraná, ele não se esquece da “aventura” piracicabana e conta que a cidade o marcou.

 

Como você encarou o desafio de fazer a identidade visual de A Província?

Douglas Mayer – Com o apoio incondicional do Cecílio Elias Netto, me senti confortável para mergulhar nesta experiência.

 

Quanto tempo demorou para resolver?

Não saberia precisar quanto tempo demorei para solucionar o problema, mas uma coisa foi fundamental: eu buscava uma fonte gráfica que respondesse à necessidade de criar um visual que atualmente é conhecido como “vintage”. Aí me deparei com a fonte Vitoriam, que era até facilmente encontrada em qualquer papelaria da época em folhas de decalques. Nunca poderia supor que esta fonte inspiraria todas as outras soluções gráficas que viriam a ser agregadas ao projeto.

O visual era todo art noveau? Como foi essa pesquisa?

Apesar deste movimento artístico já ter se esgotado por volta de 1920, ele correspondia às necessidades gráficas propostas, que eram as seguintes: fazer um resgate de uma época os elementos gráficos que estivessem fundamentados no uso de vinhetas, bigodes e clichês.

Era algo totalmente diferente do que havia na cidade. Foi arriscado?

Era tão arriscado que muitas vezes pintou até uma insegurança, como no caso da criação da logomarca do jornal. Na primeira versão eu fiz com a letra “A” do final do logo de maneira normal. Depois de falar com o Cecílio sobre minha insegurança, e o jornal já estar circulando, recebi dele o incentivo que estava buscando para vencer a minha dúvida. Disse ele: ‘Douglas, você tem que fazer do jeito que você acha certo’. Depois disso, eu coloquei o último “A” do logo de maneira invertida, o que possibilitou o equilíbrio gráfico que pode ser constatado até hoje.

Como você procurou equilibrar o lado da tradição com a ousadia da proposta editorial?

Acho que, a princípio, essa dicotomia entre a proposta editorial ousada e a solução gráfica encontrada, poderiam entrar em choque. Mas, surpreendentemente, elas acabaram se completando, quando o projeto gráfico com as vinhetas assumiu também um aspecto crítico.

Recebeu mais elogios ou críticas?

Só ouvia os elogios. A arrogância criativa que norteava as minhas ações me levava a ignorar as críticas, se existiram.

Foi também muita ousadia para a época, não?

A ousadia foi fazer um jornal com uma linguagem moderna, resgatando um estilo gráfico dos jornais críticos do final do século 19 e início do século 20, como O Malho, O Mequetrefe, A Revista Ilustrada, Fon-Fon e Careta.

Lembra do caso do repórter que se assustou ao fazer uma matéria sobre gays e a ilustração era um veado saltitante?

Lembro bem. Eu usava ilustrações realistas que, apesar da irreverência, amenizavam um pouco o inverso, se usasse ilustração com linguagem de cartum.

Que outras histórias tem sobre esse tempo de A Província?

Lembro de uma matéria sobra lésbicas e que a ilustração foi uma botina. Era uma época de total irreverência e que não caberia nos dias de hoje. Tenho várias histórias deste período, pois tudo foi muito intenso. Mas tem muitas coisas que hoje eu não faria, algumas vezes o senso crítico foi extrapolado, dando lugar para uma irreverência que hoje eu não escolheria.

Hoje acha que a reação seria diferente? Os tempos ficaram mais caretas?

Acho que hoje, com o patrulhamento do “politicamente correto”, seria impossível seguir aquela linha de ousadia e uma pitada de irresponsabilidade criativa.

Quanto tempo você ficou à frente do visual da Província?

Nessa idade, as lembranças já não estão muito claras. Mas acho que fiquei uns três anos. Essa aventura começou no final de 1986 e foi até o início da década de 1990.

Fazendo um balanço desse tempo, o que foi mais importante?

O mais importante nesta época foi participar desta experiência de participar de um projeto editorial inovador.

E seu convívio em Piracicaba? Ficou quanto tempo na cidade?

Fui levado para Piracicaba pelas mãos do meu amigo Rogério Viana e foi quem me apresentou ao Cecílio. Fiquei na cidade entre meados da década de 1980 e início da década de 1990. Nessa idade a gente começa a contar o tempo em décadas!

O que Piracicaba tem de mais legal e de mais chato?

Uma coisa que sempre gostei de Piracicaba foi o clima. Havia saído de Curitiba e nunca me acostumei com o frio de lá. Não é que não gosto, pois acabei me acostumando com este traço cultural de Piracicaba, é o sotaque caipira. No começo estranhava muito, depois de algum tempo já estava falando “porrrta”.

Hoje você atua em que cidade?

Hoje moro em Matinhos, município do litoral do Paraná, e ainda atuo na imprensa de Curitiba e invisto na minha carreira de artista plástico. Porém, o humor ainda permanece latente nos conceitos das minhas obras.

Tem saudade daqui?

Piracicaba foi marcante para mim, pois apenas troquei a proximidade das águas do salto do rio Piracicaba pelas águas do Oceano Atlântico. Acho que essa necessidade de viver perto de água deve ter alguma explicação mais profunda. Mas Piracicaba é um lugar que me marcou muito, principalmente as amizades que fiz nessa época.

Como foi seu convívio com o Cecílio?

Eu e o Cecílio fizemos uma parceria tão perfeita, que ele nem consultava as soluções gráficas que eu ia adotava, sempre apoiando minhas “loucuras”.

E o Salão de Humor? Ainda é importante ou vem só cumprindo tabela?

Toda manifestação cultural, com o tempo, acaba se tornando apenas um “objeto cultural”, perdendo o frescor vanguardista. Hoje o Salão cumpre apenas uma função cultural, o que não tira seu mérito, numa época em que as redes sociais possibilitam a proliferação de“humoristas”.

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