Nivaldo Santos: “A música é meu remédio”

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Nivaldo Santos sentiu que seria músico desde os seis anos de idade, quando via a irmã mais velha tocar violão. Foi paixão imediata e não teve jeito. Apesar de ter entrado numa faculdade de engenharia, a “matemática da música” o prendeu para sempre. Formado em violão erudito, ex-aluno do mestre Sérgio Belucco, Nivaldo acabou se encontrando na música popular. São mais de 30 anos cantando na noite e colecionando experiências. É fiel ao que chama de música popular brasileira de qualidade e não se rende a modismos. Quando lhe dizem que as músicas atuais, como funk, vêm do povo, ele questiona: “E o samba veio de onde?”

A Província – Como é viver de música em Piracicaba?

Nivaldo Santos – Hoje em dia está muito difícil. Eu falo que a gente não vive, a gente sobrevive.

Qual a maior dificuldade?

É o mercado de trabalho, que ficou complicado. Eu trabalhei 15 anos em São Paulo, onde o couvert artístico era quase 100%. Acontece que os donos de bares e restaurantes são muito mais organizados do que a classe musical. Então eles chegaram à conclusão que estava entrando muito dinheiro de couvert artístico para o músico. Resolveram acabar com isso.

E como ficou?

Até hoje funciona assim: a maioria das casas oferece um valor fixo. Tem gente que paga mais, tem gente que paga menos. Você vê uma casa, onde entram 100 pessoas, fazendo um cálculo simples. Se o couvert for R$ 10, você tem R$ 1.000. E nem tudo vai para o artista.

Além dessa questão financeira, como anda a valorização do músico?

Também não é aquelas coisas. Basta citar o exemplo do nosso teatro, que está parado há tantos anos. Então, acho que Piracicaba está muito fechada numa panela onde participam os de sempre. Dificilmente um artista novo ou que já tenha estrada consegue algum espaço.

A cidade segue modismos?

Acho que não é essa a questão. A cidade tem espaço para estilos tradicionais como a seresta. Tem espaço para todos os gostos, apesar das dificuldades.

Agora, o seu gosto é que se chama de MPB…

Eu gosto mais da boa música popular brasileira, apesar de ter uma formação erudita. Foram oito anos de estudo na Escola de Música. Fui aluno do Sérgio Belucco e tinha o sonho de ser concertista. Mas o violão é um instrumento ingrato para esse tipo de coisa.

Ele não casa com a música erudita?

Ele casa perfeitamente, mas você não tem muitas condições de fazê-lo um instrumento de orquestra. Ele é instrumento-solo, para ser acompanhado. Eu tive o privilégio de ser regido por Ernst Mahle numa peça para violão e orquestra, no concerto em ré maior do Vivaldi.

Mas acabou se adaptando para a música popular…

Eu fui pelo mercado. O mercado para concertista de violão era muito pequeno. E como eu já cantava música brasileira, fui partindo para isso. Desviei do violão erudito, não deixei de tocar, mas parti para a música popular.

Você se apresenta na noite há quantos anos?

Desde 1982, quando tinha 20 anos. Só em São Paulo foram 15 anos numa mesma casa, o Barnaldo Lucrécia. Depois que eu terminei o curso erudito, dava aula aqui e em São Paulo, no CLAM, a escola do Zimbo Trio.

Você tinha uma carreira estável em São Paulo. Por que saiu?

Depois de dez anos tocando nessa casa, fizeram uma proposta de cachê fixo, e no começo aceitei, porque era apenas nos dias da semana. Quando colocaram cachê fixo até nos fins de semana, para mim ficou inviável. Então, decidi terminar, apesar de o cachê ser bom, não podia reclamar.

Voltou há quantos anos para Piracicaba?

Já tem mais de dez anos. Foi um recomeço, difícil como todo recomeço. Tem de se mostrar de novo. Se bem que quando trabalhava em São Paulo, também me apresentava aqui.

Você é fiel à MPB. Mas como reage ao receber pedidos de músicas diferentes?

Eu até faço sertanejo, por exemplo, desde que seja raiz, que é o que eu gosto. Menino da Porteira, João de Barro, Chico Mineiro, músicas com as quais fui criado. Para mim, a música também tem que ter uma boa letra, uma história, e não o que a gente vê hoje.

Não é mais sertanejo?

Não é. Aconteceu uma vez de eu tocar meu repertório de MPB, e a pessoa veio me pedir um sertanejo de um artista que eu nem conhecia. Pedi desculpas, mas disse que não iria tocar. Sempre com educação, porque você tem que ter jogo de cintura.

Qual foi o pedido mais estranho de música que recebeu?

Foi esse que citei, apesar de ter esquecido qual era a música. Além de tudo, eu não acompanho essas músicas atuais. Mas tem espaço para todos.

Cantor da noite tem de ter várias habilidades. É como diz a música do Milton: “não se importando se quem pagou quis ouvir”. Como você reage nesses momentos?

Isso é normal, eu já tiro isso de letra há muito tempo. Exceto em situações constrangedoras. Lembro de estar tocando num almoço e em cima de mim tinha um telão passando jogo de futebol. Aí não dá! Logo percebi que não ia dar certo. Eu cantando Eu Sei que Vou te Amar e o povo gritando Gol! Tem algumas casas que tem televisão na hora do jogo, mas sem som e eu ficando fora da tela. A tela fica em outro lugar: quem quer ver jogo vai lá, quem quer ouvir música fica. Tela acima de mim, jamais!

E precisa saber aguentar bêbado, não?

Mas o bêbado faz parte da noite. E não tem só bêbado chato, tem bêbado legal.

Você é fiel à MPB. E seu favorito é o João Bosco?

Eu gosto muito do João Bosco, mas não sei se posso dizer que ele é o meu favorito. Gosto também de Chico, Tom, Milton. Mas a parceria do João Bosco com o Aldir Blanc foi um casamento fantástico. E João Bosco é uma escola de violão. Ele é um marco no violão e permite que a gente mostre habilidade. Gosto muito de Corsário, que ele gravou com um texto de Maiakovski.

Que música você mais gosta de tocar?

Além de Corsário, muitas músicas do Chico Buarque, por causa das letras. Não tenho uma favorita.

Desde quando você quer ser músico?

Já com seis anos admirava minha irmã, dez anos mais velha que eu, e que tocava violão. Já sentia que seria músico.

Não teve pressão da família para que fizesse outra coisa?

Até teve, mas não deu certo. Quando terminei o colégio, fui presar música na Unicamp e minha família apoiou. Mas não consegui entrar porque estudava teoria musical há pouco tempo. Foi um baque e cheguei a pensar se não serviria para a música. Aí entrei na Unimep e fiz Engenharia de Produção Mecânica.

Terminou o curso?

Fiz um ano. E na universidade conheci o maestro Umberto Cantoni, que estava dando bolsa de 50% para o coral. Aí decidi que era música o que eu queria. Porque no NUC (Núcleo Universitário de Cultura), a gente teve seminários e eu já dava aula de música.

Você sempre deu aula?

Dei aula muitos anos, hoje não mais. Hoje vivo de eventos, bares e restaurantes. Não pensei em outra coisa. A engenharia tem a ver com a matemática, mas a música também tem a ver com a matemática. A única diferença é que você tem que saber interpretar a matemática da música.

Como você vê a música brasileira de hoje em dia?

O último artista que me deixou feliz ao surgir foi o Lenine, e lá se vão 20 anos! Ficou difícil depois da geração anterior, que parece ter sugado tudo de bom que a música podia dar.

Não dá pra comparar com o que é feito hoje. Parece que querm gosta de música brasileira tem sempre de recorrer aos antigos…

Sem dúvida! Eu tenho uma grande dificuldade em acompanhar a produção atual. Pelo meu conservadorismo, não querer interpretar algo que não me toca. Então, sempre volto para os antigos.

Isso não é frustrante?

É frustrante e não é, porque a gente percebe que a boa música existe. Tem um mercado de jovens influenciados pelos pais que dão uma educação de boa música. Isso é o que nos conforta: a boa música resiste. Tem pessoas novas mas ainda não estão na mídia.

A mídia só atrapalha?

A mídia é uma vilã. Quem quiser tem de correr atrás e ainda bem que existem ferramentas para isso. Quem controla a informação é a mídia, que passa de forma errada, ao meu ver.

A mídia transformou a música num produto descartável?

Sem dúvida. A música é a única das artes que te apunhala pelas costas. É uma frase que aprendi com um orientador de música. Das das sete artes, você tem de sentir, tocar. A música não, você só não pode ser totalmente surdo. Mas até surdo sente a vibração. E o que acontece? Sem querer você se pega cantando uma música que você detesta. De tanto que ela é tocada.

É a música chiclete.

Ela grudou, ela te apunhalou pelas costas. Você deu atenção a ela, mesmo que a deteste.

Então a gente vive sendo apunhalado!

Totalmente! Mesmo sem querer você acaba ouvindo. Veja esse mais recente, o Que Tiro Foi Esse?

Mas a gente vai esquecer isso logo!

E a boa música permanece!

Como você se sente cantarolando uma porcaria?

Ah, me sinto péssimo! Já fui apunhalado e não consigo tirar da cabeça. Você tem de esperar um tempo até a música desaparecer.

Ao mesmo tempo, há pessoas que dizem que isso é elitismo, porque essa música vem do povo.

E de onde veio o samba? Cartola era servente de pedreiro! E sua música é eterna. Falar que a MPB é elitizada? Pra mim isso não é verdade. Todo esse conhecimento vem do samba, que nasceu no morro, é produto do povo. Noel Rosa morreu há 80 anos e as músicas dele são atuais.

Hoje os jovens gostam do que eles conhecem. E eles conhecem o que a mídia mostra. Não é um beco sem saída?

Até quando a gente vai resistir? Essa é a pergunta. Mas vale a pena insistir.

Você nunca gravou disco?

Tive um projeto de gravar um CD, mas abortei. Porque tenho uma autocrítica muito grande e não gostei do resultado final. Mas acho que chegou o momento de dar a cara a tapa. Acho que mesclaria cantadas e instrumentais. Tenho poucas composições minhas.

O que representa a música na sua vida?

A música é a minha vida. É a minha terapia, o meu remédio. Quando estou estressado, pego o violão.

5 comentários

  1. Sandra Reis em 22/03/2018 às 10:07

    Adorei!!!
    Parabéns ao gde músico Nivaldo Santos e ao brilhante jornalista Ronaldo Victoria, pela bela entrevista.

  2. Antonio Chapéu Silva em 22/03/2018 às 10:54

    Muito boa entrevista. Reveladora do talento desse importante músico piracicabano.

  3. Mirela Mendes em 23/03/2018 às 11:35

    Perfeito, parabéns pela matéria Nivaldo Santos um talento.Concordo com as palavras ditas por Nivaldo.

  4. Sidinéia masciarelli em 23/03/2018 às 15:58

    Nivaldo, simplesmente Nivaldo.

  5. MAVIAEL BEZERRA DE SOUZA JUNIOR em 23/03/2018 às 16:05

    Continuo te admiriando meu amigo. Excelente cantor e musico, tudo de 1º qualidade.

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