O samba é o dom de Aninha Barros

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Divulgação

Com paciência, “preparando o terreno”, como ela define, a cantora Aninha Barros vem se lançando em carreira nacional. Ganhou uma música de Moacyr Luz, chamada Neguinha, e a cantou num documentário que será exibido na Globo. Com um público fiel em Piracicaba e região, graças ao Samba d’Aninha, conta que não tem pressa, que vai aos poucos, sem pensar em The Voice ou outras opções que não lhe seduzem. Hoje ela se dedica à música em tempo integral, algo que sempre sonhou. O samba, sente desde criança, corre em suas veias.

A Província – Como foi sua estreia no Rio de Janeiro, no começo deste ano?

Aninha Barros – Foi maravilhosa, bem melhor do que eu esperava. Eu recebi um convite do Moacyr Luz, que fez uma música especialmente pra mim, chamada Neguinha. Esse termo é tão usado carinhosamente: “ah, adoro você, neguinha!”. A letra fala muito de mim, meu tipo de cabelo, minha pele. A minha cor, que não é do sol, é da madrugada. Tem tudo a ver comigo.

Então, o Moacyr vai ser uma espécie de padrinho?

É. Um grande padrinho!

E o que vocês estão planejando?

Ele tem uma roda de samba que acontece todas as segundas-feiras no Andaraí, o Samba do Trabalhador, um dos mais famosos do Rio de Janeiro. Vão em média 1.800 pessoas toda semana, e começa às quatro da tarde. Como ele me deu essa música, recebeu um convite da cineasta Theresa Jessouroun, que vai fazer um documentário sobre o corpo feminino. E vai ser apresentado na Rede Globo. Aí quando ela contou ao Moacyr que queria gravar no Samba do Trabalhador, ele lembrou da música que fez pra mim.

O que ela achou?

Ela amou a música. Mas ele colocou uma condição, dizendo que era inédita e só liberava se eu viesse para cantar. E eu já gravei, fiz minha estreia. Foi no dia 15 de janeiro. A festa de lançamento vai ser em outubro, e pode ser que eu volte. Mas ainda não sei ainda a data de estreia.

Você está indo aos poucos ampliando a carreira…

Sim. Não estou com pressa, não. As coisas vão acontecendo tão naturalmente! Essa coisa do Rio eu não esperava. Recebi uma ligação do Moacyr em casa me convidando. Eu não fui atrás.

Você já falou que algumas pessoas cobram que você deveria ser mais famosa, participar do The Voice…

O povo fica em cima, querendo que eu apareça na televisão! Que eu preciso ser famosa! Eu falo “gente, eu tenho minha raiz aqui”. Todo mundo divulga meu trabalho. Fiquei sabendo que em São Paulo e Rio meu nome anda sendo bem falado. Eu não forço. No boca a boca as coisas acontecem melhor.

Sua estratégia é comer pelas beiradas?

Estou preparando o terreno, jogando sementinha. Você acha que é fácil para quem é do Interior entrar nesse mercado?

Acredito que não. Porque quando se fala sambista de Piracicaba, não estranham? Não esperam sertaneja?

Uma coisa legal do Moacyr é que ele colocou na letra que tenho um pé em Madureira, mas sou cria de Piracicaba. Estou gravando o clipe e pretendo lançar em maio, quando viajo para Maceió.

Vai fazer shows em Maceió?

Surgiu a oportunidade dessa viagem, pois é fundamental conhecer outras culturas para uma cantora popular. E ao mesmo tempo estou gravando duas músicas de um compositor de lá, o Mikla Valtari. Ele tem uma roda de samba chamada Sarará Criolo. E ele já está armando uma roda de samba pra mim.

Enquanto isso, canta em Piracicaba. Se apresenta quantas vezes por semana?

De segunda a domingo. Eu não paro! Segunda geralmente é minha folga, para descansar a voz. Mas se aparece um evento fechado, eu faço. De terça dou aulas das três da tarde às nove da noite. De quarta também. E quinta começa a maratona.

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Você faz a região inteira?

Isso. É puxado, então preciso dormir oito horas por noite. Tenho uma disciplina de sono muito grande, porque o sono traz uma recuperação para a voz formidável.

Até porque você vai dormir de madrugada…

Exatamente. Refiz meus horários durante a semana. Não dou mais aula de manhã. De manhã eu repouso, sou a Bela Adormecida! E faço outras coisas, preciso cuidar do corpo também. Tenho uma preparação vocal muito grande. Isso me ajuda muito.

Por que acha que te cobram você aparecer na televisão?

Eles querem ver a figura de uma cantora de Piracicaba. É mais sonho deles do que meu. Conheço vários cantores que passaram pelo The Voice e não teve projeção nenhuma. Pouca gente ficou famosa. Bebé Salvego foi bem, teve uma participação com a Ivete Sangalo. Mas o que acontece é que quase todos voltam para trabalhar em sua cidade.

Você não tem esse sonho de Cinderela?

Não! Surgiu a oportunidade com o Moacyr e ele poderia ter falado que iria colocar outra cantora no documentário. E ele não quis, pois a fez para mim.

Ele foi ético.

Exatamente! As coisas foram acontecendo naturalmente porque ele também viu que minha postura em relação à música não é de brincadeira.

Há quantos anos você está na música?

Há 22 anos. Na noite eu comecei com 16.

Qual é o samba que te comove?

É o samba de terreiro. É o samba que vem dos negros a Bahia, uma mistura de tambores com o contemporâneo. É o samba de partido alto.

Como está a cena do samba?

Muito forte. Diferente da música comercial, que está muito complicada. Você não vê qualidade. Música de raiz, que passa de geração a geração, essa fica. Lembro de meu pai em casa ouvindo as modas de viola. Minha mãe ouvindo Clara Nunes e Alcione. Eu tenho uma mistura das duas raízes. O enraizado é isso: quando você continua a saga. Vai ter filhos e netos que vão lembrar. E as músicas de hoje desaparecem!

Chamam de música-chiclete.

É música descartável. Anitta lança uma música hoje, que bomba nas redes sociais. Amanhã ela está lançando outra.

Alguns falam em preconceito, pois esses artistas vêm da massa…

O samba veio do povo, da comunidade. Veio da favela, do negro. Tem espaço para todo mundo. Só que tem as escolhas.

Por falar nisso, como reage quando recebe pedido de músicas que não são da sua escolha?

Eu tenho um jogo de cintura muito grande. Uma vez uma menina pediu pra eu cantar Evidências, do Chitãozinho e Xororó. Eu falei, sorrindo: “Mocinha, você está sabendo que está numa roda de samba?”. Percebi que ela ficou acanhada. O que eu fiz? Cantei a música em ritmo de samba. E a música é linda!

Tudo bem que é dor de corno, mas quem nunca, né?

Exatamente! E tem samba que também é dor de corno. Mas é uma delícia de ouvir. Tenho o maior cuidado com o repertório. Cheguei a fazer Anitta porque uma noiva pediu. Aí os meninos da banda adoraram e fizemos uma brincadeira, também em ritmo de samba, e pegou. Mas decidi parar de cantar. Acabou a brincadeira!

Tem muito assédio na noite?

Muito! Tanto para mim quanto para meu marido, o Fernando. Eu tenho jogo de cintura, mas quando percebo que está passando do limite, falo para falar com meu marido. Mas não vou ser grossa. Porque para falar bem de você, demora. Para falar mal, basta uma coisinha. O meu público cuida de mim e da minha banda. Elas não deixam que a situação fique séria.

O que é a música pra você?

Minha vida. Sempre foi. Nunca fiz outra coisa. Quando eu tinha 14 anos, minha mãe me inscreveu num concurso. Foi no Lar dos Velhinhos em 1994 e eu fiquei em terceiro lugar. Minha mãe se chama Maria José e o pessoal a chama de Marrom, por causa da Alcione. Devo tudo a minha família, que sempre me apoiou em tudo. O primeiro CD, que gravei em 2014, foi uma realização do meu pai.

Você não tem problema de cantar para uma plateia fria. O seu público participa muito, não?

Meu público é muito participativo. Tenho dele não só carinho, mas respeito. Escuto muito o que eles me falam. Procuro cantar as músicas que me pedem. Se eu não souber, eu falo. Às vezes me perguntam como eu aguento, porque no intervalo, em vez de descansar, e vou tirar foto. Cada um saiu de sua casa para me ver. Imagine se eu estiver de cara fechada. É uma decepção.

Mas tem dias que você não está muito bem. E aí, o que faz?

Várias vezes. Mas o público me faz bem.

Quais são suas referências de cantora?

Tenho a Alcione, não apenas pelo samba, mas pelo baião, ela é do Maranhão. E a Clara Nunes. Lembro dos LPs que minha mãe tinha, elas maravilhosas, com aquele cabelo enorme.

A música que o Moacyr fez para você fala de auto-estima, de assumir seu jeito. Assumir a beleza negra…

É você ser o que você é. Hoje está em alta a postura feminina de ser o que ela quiser. A mulher de hoje tem escolhas. Se eu quiser raspar a cabeça, boa. A música Neguinha fala disso, não mascarar. A letra diz: Eu sou neguinha/ Canto samba/ Porque o samba é meu namorado/ Não uso nada, nem arame/ Pra deixar cabelo penteado/ Neguinha canta samba e tem um santo milagreiro que é de barro/ Eu sou neguinha/ Canto samba/ Porque o samba é meu namorado.

1 comentário

  1. Elisângela Souza Gomes em 05/04/2018 às 15:40

    Perfeita a matéria. Vcs estão de parabéns. Samba d’aninha é quase impossível descrever, só quem vai aos shows sabe do que tô falando. Sucesso e mais sucesso. Mais uma vez parabéns ao samba d’aninha é aos colaboradores da matéria.

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