Olênio Veiga, mestre do violino

violin

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Esse texto foi publicado em agosto de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

A música, para ele, é parte integrante de sua vida. Talvez seja a mais importante. Hoje, aos 76 anos, o professor Olênio de Arruda Veiga já deixou sua marca nas atividades musicais da cidade, compondo e tocando muitos instrumentos, mas com uma preferência especial pelo violino. Recordando um pouco essa trajetória, ele diz que a música estava presente desde cedo, mas reconhece que a paixão foi despertada por meio do cinema. E isso num tempo em que o cinema ainda era mudo.

Mas como um filme mudo pode despertar atenção para a música? Ele explica. “É que por volta de 1924 e 1925, os cinemas da cidade, o Politeama e o Íris (depois Broadway e Tiffany) tinham orquestras que tocavam durante o intervalo e até mesmo acompanhando os filmes. A do Íris já era mais popular, mas a do Politeama era uma beleza, apresentava valsas vienenses e trechos de opereta”.

Olênio Veiga admite que na maioria das vezes prestava mais atenção nas orquestras que nas comédias ou seriados do Tom Mix e Homem Tigre a que assistia quando era menino. “E não era só eu que pensava assim, muita gente ia só para ouvir as músicas.” A partir daí, tomou uma decisão: iria estudar violino. Começou aos 12 anos, com o professor Benedito Dutra. Em 1927, surgiu o convite do professor Leontino para que praticasse na orquestra do Iris.

No ano seguinte, ele já fazia parte do grupo musical do Teatro São José como segundo violino. Na mesma época, deu início a uma atividade que realizou durante muito tempo: tocar em bailes. “Fundamos o conjunto Jazz Mozinho, com os dois irmãos da família Ferraz de Toledo, o Chico e o Flávio. Naquele tempo, as músicas eram pra serem ouvidas e não para estragar os ouvidos como é hoje. Eram ritmos suaves como tango, valsa bolero.”

CLIMA DE ROMANTISMO

Olênio Veiga admite que senti muita falta do ambiente romântico que reinava nos salões de baile. “Havia toda uma etiqueta, um ritual nas relações entre homem e mulher. Coisa muito parecida com a que existia entre músicos e público, com muita cordialidade de ambas as partes.”

Já em 1938, ele cria um grupo que marcou época — o “Nosso Jazz”. Chegou a contar com 16 pessoas na banda, apresentando baixo, bateria, cinco saxofones, três trompetes e trombones. Teve a participação de pessoas importantes, algumas seguindo carreira musical, como Laerte Tremocoldi, Joaquim Carcanholo, Pedro Rodrigues, Luis Ferreira Grosso, Oswaldo Pettermann, André Firmino, Sérgio Bellucco e Joany Bouchardet, entre outros.

“Tocávamos o jazz tradicional — lembra — e também fox americano, boleros e até sambas de Ary Barroso. A maioria das músicas falava de amor, era um prazer muito grande tocar alguma coisa de Glenn Miller e Tommy Dorsey, por exemplo, e sentir o efeito que isso tinha nas pessoas.”

O “Nosso Jazz” durou 20 anos. “Já estava cansado e a gente precisa saber a hora de pendurar as chuteiras antes que pendurem pela gente. E depois o meu instrumento no grupo era o trompete e para tocar ele bem, depende muito dos dentee e eu já não estava correspondendo. Mas acho que parei na hora certa, justo quando já estava começando a aparecer o rock e uma nova fase”.

EDUCAÇÃO MUSICAL,

Só que logo começou uma outra atividade. É que Olênio participa da Escola de Música de Piracicaba desde que ela foi fundada, em 1956. Hoje já não leciona mais violino, mas teve o orgulho de formar bons e alunos. Cita os nomes de Maria Cláudia Ranzani, Caio Carneiro Filho, Nair Romero e Waldir Bellucco. “Nao há satisfação maior do o que perceber que o aluno está indo bem, mas isso não é tão fácil, é preciso ritmo, divisão musical e sensibilidade.”

Para ele, o aprendizado de um músico é bastante árduo, já que leva em consideração que nosso país não o valoriza como merece. “O músico não é valorizado no Brasil, tanto que você percebe que os que mais se destacam acabam saindo daqui. Porque tudo depende de uma tradição e cultura musical que ainda não temos, porque nem se ensina mais música nas escolas. E a música faz parte da educação estética, é um complemento, mesmo que não seja para seguir carreira em nível profissional. ”

SERESTA E SAUDADE

Ele também relembra com saudade o tempo em que podia fazer serenatas pela cidade. “’Piracicaba, na minha mocidade, era muito romântica, principalmente devido às serenatas. Aos sábados à noite, a gente saía para tocar e uma vez chegamos a ir todos num caminhão.” Diz que a maioria das serenatas era feita de surpresa, mas algumas vezes as pessoas eram avisadas e recebiam os músicos sempre com gentileza.

Também se lembra que para tocar nas ruas, era preciso uma licença da Polícia. “Uma vez, um guarda nos pediu e, como não tínhamos, disse que só nos liberaria se fôssemos tocar num lugar especial. E nos levou para o ‘ ‘Loca de Pedra”, perto do Beira Rio. Chegamos lá, estava um batuque tremendo com o pessoal e de repente paramos tudo e tocamos uma valsa bem suave. Eles até gostaram e foi uma experiência diferente. ”

Olênio lamenta que a juventude de hoje não seja mais tão sentimental. “Eles não conservam mais o romantismo de antes, acho muito difícil que volte a haver serestas”. Também acha que a própria cidade passou pelo mesmo processo. “Era pacata, com uma vida mais tranquila, cadeiras na calçada e bate-papo entre os vizinhos. Antes, você saia na rua e cumprimentava todo mundo, hoje não conhece mais ninguém. Mas acho que isso é inevitável.”

Como também é inevitável a saudade dos tempos em que se dedicava mais à música. “Eu sinto isso, mas não dá para negar que ela está presente sempre, não dá pra deixar de lado. Ela me acompanha, quando toco, esqueço de tudo.”

Olênio Veiga ainda toca na Orquestra Sinfônica da Escola de Música, mas acha que hoje é diferente. “Sinto que já não tenho mais tempo de estudar e um concertista deve dedicar pelo menos seis horas por dia ao seu instrumento.” Prossegue também com o conjunto Angelicum, um octeto formado por dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, oboé e violão elétrico. Fazem apresentações principalmente em casamentos e recepções beneficentes.

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