A Piracicaba de Flávio Toledo Piza

piracicaba antiga

Vila Rezende nos anos 20

Esse texto foi publicado no Memorial 2002/2003 de Cecílio Elias Netto. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação de A Província em Piracicaba.

A Piracicaba de 1920 teve um observador privilegiado. Um garoto que, trazido para estudar no Colégio Piracicabano, se tornaria um dos grandes intelectuais da cidade, anos depois. Em 1981, quando Piracicaba completava 214 anos, Flávio Moraes Toledo Piza assim lembrou aqueles anos, em sessão solene promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba:

“… na década de 20, Piracicaba era pequenina. A Vila Rezende era uma rua, Avenida Areão, que morria antes de cruzar os trilhos da Sorocabana; o bairro dos Alemães era um grande vazio, com largueza para um campo de futebol do São João; onde naquela época se ergueu a Estação da Paulista, era o mato do Dr. João, separado da futura Rua Joaquim André por uma faixa de capoeira viçosa, onde eu caçava meus papa-capins, para ensiná-los a tirar água do poço da gaiola.

Na década de 20, Piracicaba era uma cidade cujos filhos partiam em busca de melhores oportunidades; era uma cidade inconformada com a Paulista, que a deixara como ponta de linha, ao invés de alongar os trilhos até Bauru; era uma cidade pobre, onde vicejava apenas um banco, o Comercial, do Chiquinho Fleury ; onde os velhos do ‘senado’ do Jardim filavam todos os dias um cafezinho afamado pelo sabor; era a cidade de ruas pedregulhadas, que começaram, naquela década, a receber os primeiros paralelepípedos; era a cidade em que, a 7 de setembro de 1922, se capinou uma larga faixa partindo da Rua José Ferraz de Carvalho, passando pelo Cemitério e chegando à Escola Agrícola e, que vazia de ambos os lados, recebeu o nome de Avenida Independência…

…em Piracicaba as escolas eram diferentes. Aqui já não se estudava ‘para’ alguma coisa. Entrava-se na escola para aprender e só aprender. Nos bancos escolares não se ouviam senhas ideológicas, nem mesmo se enumeravam as vantagens da liberdade ou os horrores da escravidão: ensinava-se tão somente a pensar…

Em Piracicaba existiu uma Escola Egualitária, nome expressivo, bem ali nos altos de onde hoje se acha o Jornal de Piracicaba (NR: sede da rua Moraes Barros), escola que representava um esforço desinteressado com o fim de abrir horizontes para a cultura do povo, através do ensino noturno gratuito…

…. foi nesta década, que uma senhora, vinda de longe disse mais ou menos isso: ‘A gente anda pelas ruas, ouve um piano, alerta os ouvidos para o palacete moderno ou para o casarão do Império e acaba descobrindo que a música vem da casinha despretensiosa ali de perto. Nunca ouvi tantos pianos em casas tão modestas’…

… Nesta década, a Escola Normal recebia, como uma espécie de antessala, ao canto do Orfeão, os intelectuais que nos visitavam …Havia, naquelas alturas, as famosas serenatas, com grupos de verdadeiros artistas tocando de esquina em esquina, pelo mero devotamento à música. ….Durante aquela década, Piracicaba era uma cidade diferente, em cujo seio havia uma constante ebulição cultural e artística….

Em 1922, havia na cidade menos um pouco de 1.700 eleitores. Em 1928, eles mal passavam de 6.300. Pois foi neste tempo, 1925, a vitória do Partido Independente, cuja repercussão sobre a política nacional ainda me parece pouco conhecida… Não existe a menor dúvida! O ambiente piracicabano dos anos 20 estava impregnado de uma concepção diferente do homem e da cultura. E por isso mesmo se explica que a cidade tenha apresentado seu período de ouro. Na cidade pequenina e pobre, o estudo, a cultura, a pesquisa intelectual, constituíam a finalidade da vida humana. Não se tratava de mero recurso para ganhar o pão. O moço estudava para tentar compreender o papel do homem dentro do cosmo e conseguir o máximo de beleza, de utilidade e de grandeza para sua vida”.

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