Raul Coury, lição de energia

fazenda nova java

Fazenda Nova Java em Rio das Pedras

Raul Coury deu essa entrevista para A Província Online em 2006. Ele já contava com mais de 50 anos à frente de várias usinas, que hoje formam o Grupo Cosan, o terceiro do mundo em produção. Mas há cinco anos havia decidido investir em café na centenária fazenda Nova Java, que fica em Rio das Pedras. Essa dobradinha café/açúcar fazia com que o empresário, falecido há 10 anos, mantivesse uma invejável disposição até o fim.

A Província – Por que o senhor decidiu voltar a investir em café?

Raul Coury – Foi um retorno às origens. Eu costumo dizer que nasci embaixo de um pé de café. Meu pai, Massud Coury, que veio do Líbano, era basicamente um cafeicultor, formou todo o capital dele com o café na fazenda Nova Java, em Rio das Pedras. Ele vendia café beneficiado.

Então o café, para o senhor, tem gosto de infância?

Demais, demais! As minhas mais remotas lembranças estão ligadas a ele. Essa fazenda, a Nova Java, que existe até hoje, surgiu há mais de 140 anos e em 1926 foi comprada pelo meu pai.

A família toda morava lá?

Não, a gente ia passar férias. Quando eu tinha um ano, nós viemos morar em Piracicaba, na rua Boa Morte.

Como era a cidade naquela época?

Ah, Piracicaba era plácida, tranquila! Me dá uma grande saudade. Até hoje sinto um aperto quando fecha um lugar tradicional, como a Farmácia Neves, por exemplo. A rua em que a gente morava, a Boa Morte, era a única calçada do Centro. As outras tinham basalto na lateral e o leito com pedregulho de rio. A rua principal já era a Governador Pedro de Toledo, mas na época ela se chamava rua do Comércio.

Os imigrantes árabes eram muito unidos?

Eram. O avô do Cecílio Elias Netto, o Gabriel Abrão Risk, era tio do meu pai e foi quem abriu crédito para ele nas casas atacadistas. Meu avô era padre, mas diferente naquele tempo, era um padre maronita, que podia se casar.

Onde o senhor fez seus estudos?

O jardim da infância fiz no Externato São José, que ficava na Dom Pedro, onde depois foi a antiga Odontologia. Depois o primário fiz no Barão do Rio Branco e no Colégio Piracicabano, que tinha um ensino muito bom.

Quais professores foram mais marcantes?

Você sabe que até hoje eu me correspondo com minha professora do primário? Ela me dava aulas no Colégio Piracicabano. Eu a localizei nos Estados Unidos, mandei uma foto da nossa turma e pedi que ela me dissesse se reconhecia. Ela respondeu que sim, está lúcida com mais de 90 e se chama Lucy Pylles.

E como era passar as férias na fazenda?

Ah, era sempre muito gostoso. A gente ficava todos os três meses que não havia aulas por lá. O prédio da casa principal foi construído em 1890 e eu procuro preservar. Hoje estou reformando a máquina de beneficiar café.

Qual o segredo de um bom café?

Começa pelo plantio, pela colheita. Eu prefiro o café cereja, o vermelho, que é o café colombiano, hoje o melhor do mundo. Depois de colhido, você lava, seca e tira a polpa. É o café despolpado, que fica branco. Você o colhe no ponto em que ele está com mais mucilagem e dá uma bebida que chamamos de mais mole, com mais sabor.

E como se deve preparar a bebida?

Olha, isso aí que vocês tomam para mim não é café, é tintura. O café tem de ser uma infusão, assim como se faz com o chá. Quando a água estiver no ponto de fervura você acrescenta o pó de café e o açúcar e só depois é que coa, mas num coador de pano ou de nylon.

O coador de papel tira o gosto do café?

Isso foi uma coisa que a Melitta inventou para vender café. Colocar a água fervente em cima do pó faz do resultado uma tintura, como já disse.

O senhor disse que sua família tinha fazenda de café desde 1926. E a grande crise de 1929, o Crack da Bolsa, não afetou os negócios?

Eu era pequeno, mas acho que meu pai estava com a burra cheia de dinheiro, como se dizia, ou então teve a sorte de vender o estoque antes da quebra. O fato é que ele continuou com o café, mas procurou diversificar um pouco. Ele faleceu em 1943 e deixou o negócio para ser tocado por mim e por meus irmãos.

Foi quando os senhores resolveram trocar o café pela cana?

Não foi tão imediato. É que em 1950 o Instituto do Açúcar e do Álcool permitiu que quem tivesse açúcar batido ou mascavo investisse. Então em 1951 a gente montou a Usina Bom Jesus, em Rio das Pedras, e também investimos muito na cidade, em escolas, hospitais, creches e tantas coisas. Eu recebi já homenagens como cidadão benemérito de Rio das Pedras, mas acho que o pouco que fiz foi apenas uma retribuição.

É por que a partir da Usina Bom Jesus os negócios não pararam de crescer, não é?

A Bom Jesus foi o começo e hoje está desativada. Em 1958 compramos a Indiana, em Botucatu, em 1966 a São Francisco, em Capivari, em 1968 a Santa Helena, em 1970 a São Jorge e por aí foi…

Hoje qual é a situação do grupo?

Com o Rubens Ometto, que é nosso grande artífice, o grupo passou a ser o terceiro no mundo em produção, com 32 milhões de toneladas de canas moídas por ano.

Para o senhor, voltar a investir no café seria uma terapia?

Não diria isso, pois não pense que é pouca coisa. Hoje eu estou com 390 mil pés de café, o que me dá uma boa produção. E eu optei por fazer um plantio adensado. No tempo do meu pai os pés eram plantados a uma distância de 4 metros entre um e outro, eu aproveitei mais o terreno. E na parte da Nova Java em que está o café eu não podia mesmo plantar cana pois passam linhas de força de altíssima tensão

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