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O “Zelão” dos meus sonhos

Se, na minha infância e adolescência, houve um lugar onde vivi mil sonhos, aprendendo, também, a sonhar cada vez mais, mais e mais – esse lugar é o Cine Teatro São José, o “Zelão”. Dói-me na alma ver que, apesar de ainda estar lá e sobreviver, é uma raríssima obra de arte arquitetural, quase esquecida como valor imensurável. Parece estar lá por estar. E, no entanto, que interior maravilhoso, encantador! E quanta história, quantas histórias, quantas emoções, quantos sonhos – de gerações e mais gerações.

Aos meus seis, sete anos eu era levado a assistir filmes e seriados no glorioso cine-teatro, palco, também, das mais famosas e notáveis peças teatrais já vistas em Piracicaba. Eu assistia a um seriado que se me tornou inesquecível: “As aventuras de Nyoka selvas”. A heroína era a versão feminina de Tarzan. Viciei-me em cinema de imediato. Sem dinheiro para muitos ingressos, comecei, com alguns amigos, a ir ao chamado “Poleiro”, último andar do teatro, que se abria para os mais pobrezinhos. Meu Deus! Quanto sonhei, quanto amei, quanto chorei, quanto sofri, quanto fui feliz diante daquela tela! Quanto e quanto, a cada filme e a cada peça teatral, mais e mais crescia em mim o sonho de escritor.

Foi no “Zelão” que tentei aprender rimar palavras, ainda tão pequeno era eu! Havia a pobreza, meu pai ainda tentava reconstruir a vida – e ele conseguiu, meu pai herói! – e não podíamos ter livros, revistas, dicionários que meus irmãos e eu desejávamos. Resolvi aprender a rimar vendo os filmes musicais, que eram muitos à época. Passei, então, a levar lápis e um caderninho ao assistir aos filmes, e, naquela penumbra, comecei a anotar. Aprendi: coração rima com paixão; amor rima com dor; querida rima com vida. E adeus, com Deus! (Na escola, aprendi um versinho que me angustiava: “Deus, palavra mais bela que existe. Mas, se um A, lha antecede, torna-se, logo, a mais triste.”

No “Zelão”, conheci todos os meus heróis de ficção da infância. No “Zelão”, fui despertado para o desejo e a paixão ao amar Ava Gardner, Liz Taylor, Rita Hayworth, Marilyn Monroe – uma paixão a cada filme a que assisti. E foi no “Zelão” que conheci, pessoalmente, Tônia Carrero, Paulo Autran, atores, autores, atrizes que me alimentaram a alma para viver a coragem de penetrar naquele mundo. Foi no “Zelão” que vi a maldição da ditadura interromper peças teatrais com a maior desfaçatez. Nunca me esqueci e, agora, parece-me saber disso ainda mais solidamente: no “Zelão” não apenas vivi sonhos, mas aprendi  a sonhar de olhos abertos.

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