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Nhô Lica, Nhô Lica…

nho-lica

Nhô Lica. (imagem: acervo Cecílio Elias Netto)

Acreditei na magia da vida desde o início da infância. Percebi, então, que o ser humano é capaz de dar vida às coisas, de transformá-las, um pequenino deus criador de seu próprio mundo. Entendi a capacidade do humano de enxergar, com seus próprios olhos, aquilo que é oculto a olhos outros. Por isso, acreditei na “Pedra Filosofal”, aquela capaz de mudar tudo em ouro, a que o Harry Poter também encontrou. Nhô Lica era o dono do milagre. Ele, indo todas as tardes à beira do rio, punha-se a catar pedras, a escolhê-las e, então, colhia diamantes. Eu vi! Eu tentei ajudar Nhô Lica, lá pelos meus quatro, cinco anos, às margens do rio também mágico, para onde meu pai me levava, ensinando-me a sonhar. A realizar sonhos.

Nhô Lica – Felix do Amaral Bonilha – perdeu os pais muito cedo, sendo criado por família conceituada e – pelo que se dizia – foi atingido por um raio, o que lhe causou perturbações mentais. Era, em sua humildade, homem elegante, andando sempre de terno, chapéu e sua inseparável bengala. Todas as tardes, ele ia às margens do rio, em frente ao então Clube de Regatas, fazendo a sua busca de pedras preciosas. Examinava cada pedregulho e escolhia o que dizia ser um diamante. Retornava ao centro da cidade e o gerente do Banco Comercial, Gustavo Bueno, o aguardava gentilmente, recebendo os “diamantes” e guardando-os num cofre que separara para o Nhô Lica. O nosso admirável sonhador queria, com os seus diamantes, “pagar a dívida externa do Brasil”.

Jamais haverei de esquecer-me: junto com meu pai – que, generosamente, ajudava Nhô Lica a separar “diamantes” – eu, também, escolhia pedregulhos, absolutamente convencido de o meu adorável amigo vir a transformá-los em pedras preciosas. Nhô Lica, porém, apenas olhava as pedrinhas que, tão ansiosamente, eu escolhia para ele. Nhô Lica era, foi o mestre de meus sonhos. Ele tanto me encantava que, quando não íamos ao Regatas, eu, naquelas tardes, ficava esperando-o retornar do rio, espiando-o através das grades do quintal. E lá vinha, ele, todo curvado, bolsos cheios, falando sozinho, vitorioso. Quando ele morreu – no Lar dos Velhinhos – o todo poderosos Monsenhor Rosa, vigário da Matriz, mandou colocar suas pedras, seu tesouro, nas obras da construção da nova igreja, a Catedral de Santo Antônio.

Entre santos, mitos, anjos, na fé dos crentes católicos, na esperança das pessoas – lá estão, para sempre, os “diamantes” de Nhô Lica em algum lugar da Catedral de Santo Antônio. Há, pois, um homem mágico e sonhador eternizado entre aquelas paredes.

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