Ars gratia artis

*Artigo e fotos/imagens  retirados do livro “Piracicaba, a Florença Brasileira – Belas Artes Piracicabanas”, de Cecílio Elias Netto.

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Decoração Paiaguá sobre cerâmica em branco, marrom, preto e vermelho

Esse universal processo da elaboração da arte a partir do encantamento pelo belo ocorreu em Piracicaba desde o princípio dos tempos. O notável Archimedes Dutra – em sua tese de doutoramento na ESALQ, em 1972 – enfatiza a contribuição piracicabana às artes nacionais, garimpando-as nas funduras dos artefatos indígenas. São inscrições rupestres encontradas em pedras de basalto há cerca de 300 anos antes da fundação do povoado. Utensílios domésticos revelam a união entre o utilitário e o belo. São peças úteis e, ao mesmo tempo, ornamentadas, como que justificando as grandes discussões filosóficas a respeito da arte e do utilitarismo.

Desde essa chamada arte primitiva dos paiaguá – uma preciosa igaçaba, urna mortuária de cacique da tribo guerreira – encontram-se técnicas de pintura em cerâmica muito próximas das encontradas nas peças pompeanas. Isso há que despertar a permanente indagação: o belo está na essência da alma humana, em todos os tempos, em todos os quadrantes? Ou como se insistiu no passado: “Ars gratia artis”, a arte pela arte, entendida como demonstração pura do belo? Por que teria, o indígena, feito a igaçaba – objeto útil – com tanta graça e beleza?

A arte – tanto para os latinos, ars, como para os gregos, tekné – implica técnica, habilidade, aptidão, em relação tanto às coisas materiais quanto às do espírito. Há, porém, o mistério indecifrável na produção do artista, cujo nome é inspiração. João Paulo II, em sua “Carta aos Artistas”, dá-nos um indício que pintores, escultores, músicos, poetas, escritores, os artistas entendem: “Deus expira e o artista inspira”. Talvez, por tê-lo entendido antes, Aristóteles simplesmente disse: “A arte imita a vida”.

Essa expiração de Deus paira sobre Piracicaba como uma bênção especial. E o primeiro a recebê-la foi um ituano, cujo nome se perpetuou na nossa história e na do Brasil: o Miguelzinho, Miguel Archanjo Benício de Assumpção Dutra. O ano de sua sagração artística: 1844. A partir desta data e com Miguelzinho, inicia-se a aventura de uma cidadezinha que viria ser considerada a “Florença Brasileira”.

Miguelzinho é o tronco dessa árvore frondosa de mil galhos e de mil frutos, uma história que, a partir de agora, temos a pretensão de contar. Com ele, Piracicaba entendeu a verdade aristotélica: a arte, aqui, imita a vida. Razão de, em sendo caipira, ter-se tornado universal.

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