Fada, a verdadeira face da magia (2 – final)

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(imagem: Livro “Mulheres Semeadoras de Cultura”)

Bruxaria e feitiçaria

De certa forma, bruxaria e feitiçaria podem ou parecem ser sinônimos. No mundo do ocultismo, até que se confundem. Mas têm sutilezas. No universo da fantasia – em especial, na literatura infantil – a bruxa é sempre má, ao passo que a feiticeira pode fazer feitiços bons, generosos. Chamar a mulher de bruxa é maldizê-la. Mas considerá-la feiticeira tornou-se elogio, sensual, significando ser ela, a feiticeira, mulher atraente, que faz feitiços, que cativa.

Desde a Idade do Ferro e ainda na do Bronze, a religiosidade era simples e limitada. Quase nada se explicava e quase tudo se vinculava ao sobrenatural. A natureza era a grande inspiração e os que realizassem feitos tidos como antinaturais eram olhados como bruxos, feiticeiros, demônios, incluindo mulheres. O sagrado estava na natureza e manifestava-se até mesmo em vozes: rumor dos ventos, das brisas, no arder do fogo, no rumorejar de águas, na melodia das folhas de árvores e, também, no movimento de animais.

A humanidade caminhou pelo tempo, mas deixou-se acompanhar pela sacralidade, na qual se misturaram medos, superstições, credulidades e crendices, inspeção de vísceras de vítimas sacrificadas. Surgiram os áugures, que ouviam o aviso das aves, fornecendo-lhes os augúrios. Aves avisam, pois sim! O homem já se re-ligava (religare: religar-se ao divino; relegere: recolher-se, rever-se, meditar) ao mistério, prestando cultos aos deuses ou recolhendo-se interiormente. Ainda outra vez, o medo. Daquilo que se não entendia e nem compreendia. Foi quando o humano não apenas se pôs a “religare”, mas descobriu o “relegere”, rever-se, repensar, meditar.

O mistério, no entanto, não se manifestava, ainda, através de pessoas. Mas as vozes de divindades com configuração humana queriam ser ouvidas. E algumas delas – pelo menos, na tradição latina – começaram a fazê-lo aos poucos, transmitindo-se, preferencialmente, ao feminino. Eram Carmenta, Parcas, Fauna, muitas que foram sendo substituídas pela teogonia grega. Em poucos séculos, o misterioso foi-se tornando um complexo por assim dizer caótico, reunindo deusas, vestais, ninfas, adivinhas, bruxas, feiticeiras.

Elas previam, anunciavam, denunciavam. E os poderosos – a classe política e dominante de cada era – passaram a temê-las. E as populações amedrontaram-se ainda mais, como, terrivelmente, aconteceu na Idade Média com a Santa Inquisição criada pela Igreja. As tidas como bruxas – e a palavra vem de “bruciare”, queimar em italiano – eram, literalmente, queimadas nas fogueiras. Foi a era da “caça às bruxas”, também o medo das religiões diante do que poderia fazer-lhes concorrência. Bruxa e inferno tornaram-se da mesma identidade. Se o diabo era velho e feio, a bruxa se apresentava como uma velha ruim, esquelética, má, configuração semelhante à que se dava à morte. Enfim, o bem é chamado de Deus; e este mesmo torna-se Diabo quando ocorre o mal.

Até nas histórias infantis, a bruxa – ainda que simpática, afável – é sempre a má. Cultos à bruxa proliferaram e, ainda hoje, existem oculta e secretamente. Livros e mais livros, contos, filmes retratam a “mulher bruxa”, a que sabe demais, a que descobre antes, a que tem intuição e sente o que pode acontecer. E a que aterroriza, quase impossível de ser contida… O filme “As bruxas de Salem” é um bom retrato do que a bruxa e as suas denunciadas bruxarias podem fazer a uma sociedade prisioneira de medos e de receios.

A bruxa de Piracicaba

Bruxarias são confundidas com cultos de religiões primitivas, em especial a quimbanda – também conhecida como macumba – que buscam promover malefícios (não confundir com umbanda ou candomblé). Bruxas são, geralmente, anônimas, temerosas de infringir códigos legais e sociais. No entanto, Piracicaba teve uma bruxa assumida e declarada, cujo nome nunca se soube, mas publicamente conhecida como “Júlia, mulher de Júlio Bruhns”. Este tinha uma vida de esoterismo, de uma cultura impressionante, poliglota e parente de Júlia Bruhns, mãe do consagrado escritor Thomaz Mann. O casal caminhava, sempre à noite, pelas ruas, indiferentes a todos e a tudo, causando medo pela simples presença deles. Não raro, porém, a mulher assustava a população com atos e atitudes tidas como sobrenaturais: ela lançava o chaveiro contra uma parede, fazendo-o, com um olhar fulminante, colar-se no tijolo; entrava num bar onde pedia um lápis e, ainda com o olhar, colocava-o e tirava-o de uma garrafa vazia. Quem viu não esquece jamais.

[Estes conteúdo e imagem foram retirados do livro “Mulheres Semeadoras de Cultura”, de Cecílio Elias Netto, em co-autoria com Arnaldo Branco Filho e Patrícia Fuzeti Elias. Saiba mais sobre esta e outras obras publicadas pelo ICEN.]

 

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