Gênesis (1)

Deus criara, há milhões de anos, o céu e a terra, e todos os seres que a habitaram. Já separara as trevas da luz. Dividiu as águas e deu o nome de Terra à porção seca. E, às águas reunidas, chamou-as de Mares. Iluminou os céus, com luzeiros indicadores do dia e da noite. Ordenou, à Terra, a produção de ervas, de sementes, de árvores com frutos para alimentar os seres vivos. Criou peixes, animais, aves. Preparou paciencioso um lugar paradisíaco que acolhesse aquela que seria, em Seu entender, a mais bela de sua obra: o Homem.

Era, o Éden, um lugar. Nele, Deus criou o Paraíso, um “Jardim das Delícias”. Os judeus chamaram-no de “gan-eden”, o próprio jardim, palavra da qual se originaram, em muitas línguas, as versões de jardim, de prazer, de delícias: garden, giardino, jardin, jardim, gardinus, garth, gardeno e muito mais. Nele, o homem conheceria a felicidade plena.

Indigenas

“Dança Tapuia” – Obra de Albert Eckhout (1610-1666) que mais chocou o público europeu. Mostra oito índios dançando, observados por duas índias. As grandes dimensões da tela não eram comuns para este tipo de temática. Além disso, a dança era reprovada pelo calvinismo e a nudez, tão fora dos padrões renascentistas, fez com que a pintura não fosse aceita. O artista holandês veio ao Brasil, em 1637, na comitiva de Maurício de Nassau. Tinha 27 anos e aqui viveu por quase sete anos. Era pintor, desenhista de tipos e costumes, paisagista e naturalista de excepcional domínio do traço e das cores. Suas telas, classificadas como Tapuia e Tupi, foram todas feitas no Brasil. Até então, as imagens de índios eram de artistas que nunca tinham visto um aborígene e sequer colocado os pés no continente; guiavam-se pelas descrições e memória de viajantes e imprimiam, em seus desenhos, traços da cultura europeia renascentista. Para alguns especialistas, as imagens de Eckhout além de obra de arte são importantes registros etnográficos. Depois dele, somente os viajantes do século XVIII e XIX tinham como prática desenhar in loco e com rigor realista tanto animais como indígenas.

Como se sabe, não deu certo. Para aborrecimento de Deus, o homem desobedeceu, perdendo as doçuras do divino privilégio, sendo destinado a ir em busca de si mesmo, a construir a sua nova morada, “ganhando o pão com o suor do rosto”. Por milhões de anos, essa história persistiu, pois Deus, em sua santa teimosia, não abriu mão de manter o deslumbramento de sua criação.

Na realidade, tudo estava feito. Faltava, apenas, o novo homem e um novo lugar. Distraidamente, Deus, então, espiou um pedacinho de terra, com matas, com rios, com aves, com animais, com índios e se entusiasmou: por que não tentar, novamente, ali? Era um gan-eden, por que não transformá-lo em Éden? Animais já tinham nomes: onça, macaco, capivara, porco-do-mato, quase todos dados por Adão. As aves, também: arara, periquito, tucano, papagaio, andorinha, bem-te-vi, beija-flor. E os peixes: jaú, dourado, mandi, cascudo.

Numa noite enluarada – os índios acocorados em torno da fogueira – Deus se fez fumaça e participou da reunião. Encantou-se ao vê-los todos nus, sem malícia, inocentes como o tinham sido Eva e Adão. A nudez daquelas criaturas encantou-O, pois revelava a inocência de como tinham sido criados. Logo, sem pecado, não precisavam “esconder suas vergonhas” que, na realidade, não eram vergonha alguma, mas a integridade da natureza humana.

(Continua)

[Estes conteúdo e imagem foram retirados do livro “Piracicaba, um rio de passou em nossa vida”, de Cecílio Elias Netto. Saiba mais sobre esta e outras obras publicadas pelo ICEN.]

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