Lembranças da menina rica

Um importante testemunho histórico, que julgo necessário resgatar, é o de Maria de Souza Barros, filha primogênita do segundo casamento de Luiz Antônio de Souza Barros e, portanto, neta do Brigadeiro Luiz Antônio. Casada com Antônio Paes de Barros, senador da República, tornou-se nora do primeiro Barão de Piracicaba, com o mesmo nome do marido. Aos 94 anos de idade (nasceu em 1851) publicou suas memórias de infância, que circularam em 1946, pela Editora Brasiliense.

É das memórias da infância de Maria de Souza Barros, o texto abaixo reproduzido:

“…As estradas em Piracicaba apresentavam- se bem conservadas, em contraste com as outras, suas vizinhas. A uma légua de distância passava- se por uma aguada, onde se viam a um lado, na orla do mato, algumas barracas habitadas por homens, mulheres e crianças em miserável estado de pobreza e enfermidade. Desse grupo destacava-se então um homem de feições alteradas. Chegando-se aos viajantes, estendia a mão, pedindo uma esmola pelo amor de Deus. Eram-lhe lançadas algumas moedas de cobre, que ele erguia avidamente.

Leprosos, esses infelizes. Tal era o horror que inspirava a terrível moléstia, que eles eram expulsos de todas as habitações. Não havendo asilo para os receber, viviam isolados, no campo, sustentando-se quase que unicamente da caridade pública.

Um pouco mais adiante, entrava a comitiva na cidade, subindo a colina pela rua principal que ia dar na ponte sobre o rio – essa pobre ponte enegrecida que, com suas guardas meio quebradas, tinha de sofrer, todo os anos, nas enchentes, o embate das águas que ameaçavam arrebatá-la. Já não existem, há muito tempo, obstáculos a tal travessia, e isto desde que se construiu, acima do salto, uma bela e sólida ponte. Nesse tempo, passava- se pela velha, cautelosamente, evitando algum buraco, ao som da cachoeira que rugia ao longe. Mais algumas horas de marcha e chegava- se à beira do Corumbataí. Como fosse inverno, as águas estavam baixas e davam vau…

…Bem instalada nesta fazenda, a família permanecia alguns meses (pelas menções posteriores, a propriedade mencionada poderia ser a Fazenda Corumbataí). Além de numerosos escravos, havia também uma colônia de alemães e suíços que trabalhavam no café. O comendador tinha visto, em Petrópolis, a colônia de alemães que o imperador mandara vir para trabalhar naquela localidade. Apreciou tanto o trabalho livre, comparando-o ao serviço forçado do negro escravo, que resolveu mandar engajar colonos na Europa… (A referência deve ser ao pai, Luiz Antônio, que teve grandes propriedades em Piracicaba, na região de Charqueada, e foi um dos responsáveis pela construção da nova ponte).

…Aclimataram-se aqui facilmente esses estrangeiros e habituaram-se a uma alimentação bem diferente. Substituíram o trigo pelo milho, com o qual faziam pão, seu principal alimento, plantavam uma horta e, logo que melhoravam de situação, adquiriam uma vaca, não lhes faltando assim leite nem manteiga. Limpas e bem arrumadas eram suas casas; as camas estavam sempre em ordem, com os largos acolchoados de penas que haviam trazido de sua pátria; a mesa de jantar era conservada bem lavada. Como tudo isto contrastava com as habitações dos pequenos lavradores de então…”

Leia mais em: “Preconceitos: a face triste“, do livro “Piracicaba, a doçura da terra”, de Cecílio Elias Netto.

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