Meus amigos japoneses, saudade

Éramos italianos, árabes, portugueses, judeus, japoneses, alemães, uma verdadeira liga de nações trocando lealdades, companheirismos, na eclética vizinhança – familiar e comercial – tecida com amizade.

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(foto: Marcelo Fuzeti Elias)

Primeiro foi o vereador Pedro Kawai Filho – para mim, ainda o Pedrinho, que vi nascer, ninado por sua mãe Terezinha e embalado por Pedro pai, meus amigos. Foi, repito, inicialmente ele quem me fez o convite. Logo em seguida, o respeitado e respeitável executivo, Pedro Mizutani. Eles me honraram – com o ICEN e a Editora B2 – convidando-nos para escrever um livro sobre o glorioso centenário da imigração japonesa em Piracicaba. Não apenas nos lisonjearam, mas, a mim e em mim, precipitaram um turbilhão de saudade, um arrebatador – mas suave – vendaval de lembranças.

De imediato e num repente, voltaram-me – aos olhos da alma e do coração – as imagens de uma adolescência feliz, sonhadora, conduzida por aqueles anos que não sabíamos, ainda, ser dourados. Eram os meados dos 1950, quando o mundo ocidental era sacudido por novos ares, novos perfumes, novas esperanças, aqueles anos primaveris. Famílias amigas, morávamos em quarteirões que, hoje, poderíamos chamar de ONU Caipira. Pois éramos uma comunhão das chamadas raças, de linguagens, de costumes – instalados bem no que chamo o “ventre da Noiva da Colina”, o centro da bela e suave cidade.

Os Miyazaki – na Rua Governador, quase esquina da Rua São José – perfumavam os ares com o verdadeiro olor de seus pastéis, de sabores diferenciados e que, ainda hoje, seduzem os piracicabanos com o nome “O Pastelão”. Conhecidos eram, àqueles anos, como pastéis do Mário Japonês, o Mário Miyazaki. Àqueles anos – correndo livremente pelas calçadas e ruas, como se fossem pequeninos servos e corças – meninos e meninas, de pés descalços, dançavam a ciranda-cirandinha, brincavam de esconde-esconde, de saltar a amarelinha, de jogar bolinhas de vidro, a búrica. E, entre todos, destacava-se a beleza encantadora, inocente de Shiroko Miyazaki, a caçulinha da família japonesa, com o frescor sempre renovado de rosas. Shiroko, porém, era nome difícil de se pronunciar. E ela se tornou, para todos, a Judith, cândida beleza oriental que continuou desabrochando a vida toda.

Ah! a saudade, as pungentes lembranças. E a nossa queridíssima Luiza Sato, da família Sato do Bairro Alto, com as lavanderia e tinturaria famosas? (Ao depois, a pequena empresa mudou-se para a Rua Benjamin Constant). Luiza era – de tão próximas foram – como irmã xifópaga da Mariana, imenso amor de juventude, que se tornou generosa e incansável mãe de meus cinco filhos. Onde lá nos íamos, Mariana e eu, a sorridente e silenciosa Luiza nos acompanhava, sabiamente fingindo nada ver quando os beijinhos inocentes e trêmulos, nós os trocávamos. Luiza, a nossa japonesinha querida, leal e solidária até que, vítima de implacável enfermidade, feneceu como tenra florzinha. E Chico Komatsu – brilhante desde a adolescência – tornou-se o genial Dr. Komatsu, oftalmologista que enfeitiçou Piracicaba com sua ciência e arte. E a quem entreguei os meus olhos míopes, que ele cuidou como se fossem dele próprio.

 

Estes conteúdo e imagem foram retirados do livro “Centenário da Migração Japonesa em Piracicaba”, de Cecílio Elias Netto, em co-autoria com Ronaldo Victoria e Arnaldo e Arnaldo Branco Filho. Saiba mais sobre esta e outras obras publicadas pelo ICEN.

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