O doce (e salgado) sabor da culinária caipiracicabana

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Foto: “Piracicaba, a doçura da terra”, de Cecílio Elias Netto

A questão é complexa, a exemplo da própria “cozinha brasileira”, que os mais sofisticados – ou apenas rabugentos – dizem não existir. Ou, se admitem exista, referem-se quase sempre à comida baiana ou, condescendentemente, à mineira. No entanto, o Brasil é um dos países do mundo com uma das mais ricas culinárias que se conhece, conseguindo sua identidade com a fusão, principalmente, de três grandes influências: africanas, indígenas e europeias. Em Piracicaba, nos seus 250 anos, também.

Os índios eram dados a alimentos crus, sem requintes no preparo da comida. O fogo era usado apenas para assar (moquear) a caça e a pesca, sendo muito raro o cozimento que, quando ocorria, se fazia em panelas de barro. Em nossa cidade, foram encontradas peças indígenas antiquíssimas, estudadas por Archimedes Dutra, no sítio arqueológico, hoje abandonado, onde está a Praça Ermelinda Ottoni Queiroz, viúva de Luiz de Queiroz (antigo cemitério indígena). E em outros nichos.

Quanto à comida, os índios não conheciam doces, apesar da grande variedade de frutas e alimentos que os europeus iriam aproveitar para fazer as guloseimas que se tornaram parte da cozinha brasileira. Do milho e da mandioca, criaram manjares, curais, pudins. Das frutas, fizeram compotas.

Foram os portugueses que introduziram outras matérias primas, um preparo elaborado de alimentação e hábitos gastronômicos europeus. Com eles, chegaram as frigideiras, a mistura de ovos nos peixes, o hábito do bacalhau ao nosso cardápio.

E os africanos – trazendo feijões, pimentas, inhame, leite de coco e outras matérias primas – criaram uma cozinha afro-brasileira, com sede na Bahia e da qual a feijoada – considerada o primeiro prato brasileiro – se tornou símbolo dessa herança africana no Brasil.

Com as migrações, a cozinha brasileira passou a sofrer a influência de árabes, italianos, chineses, japoneses, judeus, espanhóis, alemães, com outras iguarias e formas de preparo que passaram a fazer parte do cotidiano.

E é nessa geografia gastronômica, em todo o Brasil, que surge a figura do tropeiro como o grande embaixador de todas as cozinhas, elevando e trazendo novidades, criando e recolhendo hábitos alimentares. É o tropeiro que responde pela formação de uma das mais deliciosas cozinhas do mapa gastronômico brasileiro: a caipira, com suas peculiaridades em cada região onde sobrevive. É bom lembrar-se que a cidade de Charqueada, da região caipiracicabana, assim teve seu nome por causa do pouso para a preparação do charque, a carne bovina cortada em mantas, salgada e posta a secar ao sol.

Cozinhas caipiras

Herança dos tropeiros e peões, essa “cozinha caipira” espalhou-se pelos sertões do Brasil. E, também, em Piracicaba. São o “tutu à mineira”, o “virado à paulista”, o simples arroz com feijão, farofa e mandioca, que se tornaram, atualmente, pratos “chiques” nos restaurantes das capitais brasileiras.

O pão de queijo é como uma coqueluche nacional. E a cachaça?

A cachaça brasileira a cada dia que passa fica mais requintada. O cálice de pinga antes das refeições é servido em botecos de quebrada e em restaurantes refinados. E os chamados “doces caseiros” também: de cidra, de pêssego, o de goiaba que, servido com “queijo mineiro”, se tornou o famoso “Romeu e Julieta”. Em Piracicaba, na Rua do Porto, há restaurantes, como a Arapuca, que servem doces caseiros e nossas velhas cozinheiras ainda fazem broas de milho, roscas, biscoitos.

Os tropeiros e peões criaram hábitos, introduziram “feijões, couves e torresmos” e, também, uma religiosidade e todo um folclore que impregnaram essa “cozinha caipira” que, também, é um estado de espírito.

Com elementos indígenas, eles criaram pirões, as favas, cuscuz. Mas foi a criação de porcos, pelos tropeiros, que manteve essa cozinha, na necessidade que tinham de criá-los nos sítios passageiros, com suas roças e criações rápidas. A criação de porcos foi fundamental para a vida de mineiros, paulistas e goianos. Em Piracicaba, isso também acontecia, aproveitando-se, do porco gordo, a banha, a carne para as linguiças, as tripas, guardando-se os lombos e pernis em gordura.

Piracicaba tem características especiais, herança desse passado caipira. Começamos a ser conhecidos por uma “cozinha caipiracicabana”. Há centros gastronômicos com nossa identidade cultural: Rua do Porto, Santana, Olímpia, Tanquinho, Chicó, em distritos e bairros onde se saboreiam – já com importância econômica agregadora – nossa pamonha, a polenta, o cuscuz de mil variedades, peixes e, em especial, o nacionalmente conhecido “pintado na brasa”, criado pelo mais que cinquentenário Restaurante Mirante. E, também, a nossa cachacinha. Pura ou como caipirinha, essa mágica criação caipiracicabana.

Garapa e pastéis

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Foto: Marcelo Fuzeti Elias

O caldo da cana continua entre os hábitos alimentares mais saborosos dos caipiracicabanos. Se, antes, a nossa garapa era vendida em pequenos bares e pastelarias, atualmente, é oferecida em pequenos quiosques e trailers às entradas da cidade e avenidas. Tornou-se anedótico o pedido do caipiracicabano: “Dá aí duas garapa e um pastéis.” Mas vale para enriquecer a nossa riquíssima linguagem, esse nosso patrimônio cultural imaterial. A mélica delícia da garapa é evitada apenas por diabéticos, que se lamentam disso.

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