O mais saboroso cuscuz do mundo

“As pessoas iam para o Arapuca e pediam o melhor cuscuz do mundo, o cuscuz do Cecílio” (Paulo Pecorari)

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Foto: Fabio Rubinato

Foi numa invernosa noite. Estávamos em 1969, 1970, não me lembro ao certo. Sei, no entanto, ter sido em plena vigência do maléfico AI-5 da ditadura militar. Fazíamos, em O DIÁRIO, um jornalismo de resistência, alimentados por um obsessivo desejo de liberdade. Naquelas madrugadas, o restaurante Arapuca – na verdade, um humilde bar com alma da Rua do Porto – era nosso refúgio.

Era a “Arapuca do Hélio”, o atlético e caipira pescador da família Pecorari. Quem, no entanto, a comandava – pelo menos à noite – era seu irmão, Paulo, o professor Paulo. Ele, quase todas as noites, servia-nos alguns aperitivos, caipirinhas, cervejas quase sempre mornas… Naquela noite de tantos cansaços, lamentei-me de fome, pedindo ao professor Paulo que nos servisse algo diferente. Ele – de feições pétreas, apenas alteradas pelo sorriso cálido – foi à cozinha, demorou longos minutos, retornou pedindo-nos paciência.

Bom tempo depois, o grande cozinheiro Paulo Pecorari apareceu com uma bandeja fumegante que exalava perfume caseiro, da secular sensualidade de negras escravas. “Seo” Paulo oferecia-nos o primeiro “cuscuz feito na Arapuca”, encantando a noite, varrendo nossos fantasmas. Comemos, repetimos, estalamos os lábios, gritei: “É o melhor cuscuz do mundo!”

Nas manhãs seguintes, meu jornal chegava às casas dos assinantes com o inebriante perfume de cuscuz. E as pessoas começaram a ir à Arapuca, pedindo “o melhor cuscuz do mundo, o cuscuz do Cecílio”. Recusei a honraria com meu nome, pelo sentido malicioso que revelava: “o cliente querendo comer o cuscuz do Cecílio”.

Mas o cuscuz da Arapuca continuou. Foi elaborado também em outros bares da Rua do Porto e, hoje, é um dos elementos da identidade caipiracicabana. É o cuscuz com sabor de uma história fascinante, contada há mais de 150 anos por nossas cozinheiras e ribeirinhas.

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