O “Pardal” Satto, herói do XV

Satto_XV-Novembro

Certamente, deve ter sido trauma infantil, medo de morrer vítima das horrendas e homicidas bombas atômicas lançadas sobre o Japão. Com certeza. Pois, ainda hoje, bombas me assustam. Sequer com fogos de artifício brinquei. E, em toda a minha vida, jamais tive uma arma na mão.

O fato é que – quando via o Satto e me via próximo dele – eu sentia um misto de admiração e de incompreensão. Ele era um dos nossos heróis, os primeiros campeões do interior paulista a ingressar, com o “Nhô Quim”, na elite do futebol da chamada Primeira Divisão do futebol paulista.

Como era possível? Japonês, campeão pelo XV, ressuscitado do massacre? Seria, o Satto, uma assombração?

Quando fico a pensar naquilo que vi, nos nossos quarteirões centrais, rendo, ainda mais fartamente, graças ao Criador e à Vida. O mundo estava lá. Lá, era o mundo. Mas eu sequer imaginava a crueldade da guerra, motivos, causas, atrocidades, vinganças. Eu apenas enxergava e sentia aquele meu pequeno e encantador mundo, do qual Satto também fez parte. Ele era o craque e um ídolo esportivo. Satto, o japonês que estudava na Escola Agrícola, era um dos primeiros nikkeis, no Brasil, a se tornar agrônomo com diploma universitário. E tornava-se, também, o primeiro japonês de Piracicaba – e, talvez, também no país – a ser campeão de futebol. Como era possível? Se os japoneses haviam sido “destruídos”, ele deveria ser uma assombração. Ou, então, tinha ressuscitado. Pois, estava quase sempre passeando por aqueles nossos quarteirões.

Devo – quero – contar rapidinho. Naquelas calçadas e pracinhas, estavam os mais conhecidos bares e restaurantes de Piracicaba. O Bar Esportivo – não me recordo se do Mário Japonês, se do Oscar Nishimura, se de ambos – que nós, estudantes e esportistas, frequentávamos. Morávamos entre toda aquela adorável boêmia. E, com algo muito especial: Elias, zagueiro campeão, era primo de minha mãe, da família Sarkis: Idiarte – nosso ícone maior – namorava ou estava noivo de Vitória, outra prima, também Sarkis (a linda Vitória morreu ao partejar o primeiro filho).

marca 100 anos japoneses

Luiz Satto Junior, o grande Satto, nipo-piracicabano. Agrônomo, futebolista, “gentleman”, com vida profissional brilhante. E “pardal”. Pois, em Piracicaba, “pardal” é aquele que, para cá vindo, leva embora as moças bonitas. E o “pardal” Satto levou-nos a bela Carlinda Barbosa, com quem se casou e teve seis filhos: Liliana (médica), Luiz Carlos (advogado), Ubirajara (engenheiro civil), José Roberto (engenheiro civil), Maria Cecília (administradora de empresas) e Silvia Maria (advogada), vários netos e bisnetos. A paixão de Satto pelo XV, no entanto, era tanta que, em plena lua-de-mel, foi chamado a jogar futebol. Ia aceitando, mas Carlinda embraveceu e não deixou…

Carlinda morreu em 1994, encerrando 45 anos de feliz união. Passados alguns anos de viuvez e sentindo-se solitário, Satto – com aprovação de todos os filhos – passou a procurar uma companheira. Foi quando se lembrou de uma antiga namorada de Pindamonhangaba, cujo namoro havia sido interrompido quando ele veio para Piracicaba. Por coincidência, Clélia também estava viúva, o que resultou num novo e feliz casamento de Satto, então com 76 anos. A união perdurou quinze anos, até o falecimento de Luiz Satto Junior, em 11 de dezembro de 2013, aos 91 anos de idade, em Sorocaba. Ele foi sepultado em Piracicaba.

Satto foi “meia direita” – como se falava antes – do inesquecível ataque quinzista, que me está na memória: De Maria, Satto, Picolino, Gatão e Rabeca. Sua morte foi noticiada nos cadernos de esportes dos jornais de São Paulo por seus feitos no campo do XV e foi lembrado por ter sido autor do primeiro gol na inauguração do Estádio Moisés Lucarelli, na vitória por 3 a 0 em cima da Ponte Preta.

[Estes conteúdo e imagem foram retirados do livro “Centenário da Migração Japonesa em Piracicaba”, de Cecílio Elias Netto, em co-autoria com Ronaldo Victoria e Arnaldo Branco Filho. Saiba mais sobre esta e outras obras publicadas pelo ICEN.]

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