A primeira gravação de Moda de Viola

*Artigo e fotos/imagens  retirados do livro “Piracicaba, a doçura da terra”, de Cecílio Elias Netto.

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Foto: Fábio Rubinato

Cornélio Pires é, também, o pai da Música Sertaneja. Foi ele quem, em 1924, levou os costumes caipiras para os grandes centros, desde encenações teatrais a cantores de estilos sertanejos. Foi também por sua iniciativa a gravação da primeira Moda de Viola no Brasil.

Ele – que, em 1910, abraçara o dialeto caipira, com a edição do livro “Musa Caipira” – resolveu colocar em discos as suas anedotas e a autêntica música caipira. Já residia em Piracicaba e sabia que, aqui, existiam autênticos cantadores e violeiros. Num primeiro momento, tentou gravar uma canção entoada por Nitinho (Benedito Ortiz de Camargo, também conhecido como Nitinho Pintô ou ainda como Nitinho Violeiro, que faleceu em 1926) e Sorocabinha (Olegário José de Godoy, filho de Nhô Juca Sorocaba), mas as gravadoras esnobavam o gênero e se recusavam a gravá-lo.

Cornélio não se conformava com a posição das gravadoras, que davam preferência ao tango. E, como profundo conhecedor da música sertaneja e ferrenho nacionalista, resolveu reagir: “A música argentina, o tango, está invadindo São Paulo. Como brasileiros, temos que reagir. Não somos contra o tango, mas temos que mostrar a nossa música, a ‘moda de viola’, ritmo autenticamente nosso”.

Até que, em 1929, bancou do próprio bolso uma série de gravações, divididas em dois suplementos com cinco discos cada, totalizando dez discos independentes, com cinco mil exemplares cada, reunindo a sua famosa Turma Caipira, que – em sua primeira fase – era composta por Mariano (Mariano Silva) e Caçula (Rubens da Silva), Zico Dias (João Dias Rodrigues Filho) e Sorocabinha, Arlindo Santana, Ferrinho e Sebastiãozinho (Sebastião Ortiz de Camargo). Vale, aqui, registrar que todos os integrantes da Turma Caipira de Cornélio eram piracicabanos natos.

Num primeiro momento, Cornélio procurou a gravadora Colúmbia, empresa norte-americana, cujo representante no Brasil era a Byington & Company, pertencente a Alberto Jackson Byngton Júnior. Falou sobre a sua ideia de gravar anedotas e moda de viola, tendo como resposta, um sonoro não. “Gravar anedotas e violeiros? Isso é mais uma anedota sua. Não há mercado para isso, não interessa”, teria dito Byngton.

Cornélio insistiu: “E se eu gravar por conta própria?”.

Aí, Byngton tentou dificultar a situação: “Bem, nesse caso você teria que comprar 1.000 discos. E quero dinheiro à vista”. Cornélio pediu alguns minutos, foi até a rua XV de Novembro (centro de São Paulo), onde solicitou um empréstimo a um amigo, um tal de Castro, e retornou em seguida à sede da gravadora.

Jogou sobre a mesa de Byngton um pacote embrulhado em jornal. “O que é isso?”, perguntou-lhe Byngton. “Uai, dinheiro!”, respondeu Cornélio. Byngton abriu o pacote e não disfarçou o seu assombro: “Mas aqui tem muito dinheiro”. “É que, em vez de mil discos, eu quero cinco mil. Cinco mil de cada, porque, já no primeiro suplemento, vou querer cinco discos diferentes, portanto 25 mil discos”, enfatiza Cornélio.

O primeiro suplemento, com os cinco primeiros discos, foi gravado em maio de 1929, com números de humorismo, interpretados pelo próprio Cornélio Pires e mais três danças paulistas, um samba paulista, um desafio e, intercalados, uma cana verde e um cururu pela “Turma Caipira Cornélio Pires”.

Os três primeiros eram de anedotas contadas pelo próprio Cornélio: disco nº 20.000 continha anedotas norte-americanas e entre italiano e alemão; o nº 20.001, rebatidas de caipiras e astúcia de negro velho; nº 20.002, simplicidade e numa escola sertaneja; nº 20.003, coisas de caipira e batizado do sapinho.

Os quarto e quinto discos já contavam com a participação da Turma Caipira: o de nº 20.004 era composto por desafio entre caipiras e verdadeiro samba paulista, e o de nº 20.005 mesclava anedotas contadas por Cornélio e danças regionais paulistas (cana verde e cururu) interpretadas pela Turma Caipira.

O sucesso foi total e cinco meses depois, em outubro de 1929, Cornélio lançava o segundo suplemento, também composto por cinco discos. O de número 20.006, onde a dupla Mariano e Caçula apresenta “Jorginho do Sertão”, a primeira música sertaneja da discografia brasileira. Do outro lado do compacto simples está “Como cantam algumas aves” (imitação de aves), interpretação de Arlindo Santana (o homem que imitava bichos e aves).

A seguir, temos os discos 20.007, envolvendo todos os integrantes da Turma Caipira com a “Moda do Peão” e “A fala dos nossos bichos”, imitações de Arlindo Santana; o nº 20.008, com a moda de viola “Mecê diz que vai casá”, de autoria de Nitinho Pintô, interpretada por Zico Dias e Sorocabinha, e anedotas “Os cariocas e os portugueses”, com Cornélio Procópio; o nº 20.009, com “Triste Abandonado”, com Zico Dias e Sorocabinha e “No mercado dos caipiras”, anedotas de Cornélio Pires; e, finalmente, o nº 20.010, com as anedotas “Agitação política em São Paulo e Cavando votos”, também contadas por Cornélio.

SURGE A TURMA CAIPIRA VICTOR

A Turma Caipira Cornélio Pires fez sucesso imediato e abriu os olhos das gravadoras para o mercado da música sertaneja, a autêntica música de raiz. E, no final do mesmo ano (1929), a gravadora RCA Victor resolveu lançar sua turma caipira.

E a mão de obra não poderia ser outra: os caipiracicabanos.

E Piracicaba entra para a história, novamente. Desta vez, pela gravação do primeiro disco de Moda de Viola, sob o contrato de uma gravadora (já que o primeiro tinha sido uma produção independente).

A RCA foi beber na mesma fonte e contratou Sorocabinha, que fazia parte da Turma Caipira Cornélio Pires, e seu novo parceiro, o Mandi, responsáveis pela reunião de um novo grupo de artistas, do qual participaram Sebastião Ortiz de Camargo (que também fazia parte da Turma de Cornélio), Antônio Estevam (catireiro), Sebastião Roque (curureiro) e as filhas de Sorocabinha, Avelina, Durvalina e Maria Immaculada, formando a Turma Caipira Victor.

Para a gravação do disco, a RCA deslocou do Rio de Janeiro para Piracicaba os equipamentos técnicos. O local das gravações foi na Escola Normal de Piracicaba (atual Escola Sud Mennucci), que era dirigida pelo professor Manoel Rodrigues Lourenço, o Mandi. As músicas escolhidas foram “Caboclo Feliz”, “Caipira Murtado”, “Cateretê”, “Cururu” e “Samba”.

A partir de então, as gravadoras passaram a acreditar no potencial da música sertaneja de raiz e abraçaram os caipiracicabanos. A dupla Mandi e Sorocabinha, por exemplo, gravou 70 discos, com 140 músicas, pela RCA, Parlophan, Odeon e Columbia.

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TURMA CAIPIRA CORNÉLIO PIRES – Foto: Acervo Instituto Cornélio Pires

 

Jorginho do Sertão
Moda de Viola Caipira Paulista
Letra e Adaptação: Cornélio Pires
Interpretação: Caçula e Mariano

O Jorginho do Sertão
Rapazinho de talento
Numa carpa de café
Enjeitô treis casamento
Logo veio o seu patrão
Cheio de contentamento
(tenho treis filhas sorteira que
Ofereço em casamento)
Logo veio a mais nova
Vestidinho cheio de fita
Jorginho case comigo
Que das treis sô a mais bonita
Logo veio a do meio
Vestidinho cor de prata
Jorginho case comigo
Ou então você me mata
Logo veio a mais véia
Por ser mais interesseira
Jorginho case comigo
Sou a mais trabaiadeira
Jorginho pegou o cavalo
Ensilhô na mesma hora
Foi dizê pra morenada
Adeus que eu já vou me embora
Na hora da despedida,
Ai, ai, ai
É que a morenada chora
Ai, ai, ai
O Jorginho arresorveu
É melhor que eu mesmo suma
Não posso casá cum as treis, ai
Eu num caso cum nenhuma

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