Saberes Tradicionais (1)

Uma benção não faz com que você ganhe alguma coisa, mas, na verdade, faz com que você use alguma coisa – algo que você já possui –, o dom que nasceu junto com você no dia em que você chegou à Terra

CLARISSA PINKOLA ESTÉS                                                                                                                                   (escritora, poetisa e psicanalista junguiana americana; de ascendência mexicana, de família de imigrantes e refugiados)

Saberes Tradicionais

(imagem do Casarão da Cultura de Sete Lagoas, Minas Gerais)

Saberes. De onde vêm? Eles são tantos… pequenas peças de um quebra-cabeça, que ajudam a revelar a paisagem do planeta, do país, da cidade, do grupo, do corpo e do “eu” que cada um habita. Surgiram da necessidade, mas também da inquietação e encantamento do homem pela vida, que é preciso desvendar, conforme desafio da Esfinge: “decifra-me ou devoro-te”.

Entre tantos, buscamos, aqui, os saberes tradicionais, aqueles que foram se construindo pela lenta observação e experimentação. Conhecimentos, práticas, crenças, costumes transmitidos oralmente através das gerações – e não nas instituições formais. Ancorados na sabedoria da ancestralidade, gestados na vivência histórica e sociocultural – vivência humana que, no entanto, também carrega dentro de si as sementes do mundo natural, compondo a longa trajetória evolutiva da vida.

E, no contexto dos saberes tradicionais, ajustamos o foco ainda mais, para encontrar aqueles que expressam o princípio feminino: cuidar, acolher, ser receptivo e aguardar que o processo de maturação aconteça em seu fluxo natural. O feminino Yin, que, como ensina o Taoísmo, se alia ao masculino Yang (atividade e movimento) para o equilíbrio da vida. Para a milenar tradição filosófica e religiosa chinesa, Yin-Yang são, portanto, as forças basilares, opostas e complementares, que expressam a dualidade de tudo o que existe – assim na terra (e no ser humano), como no céu.

Semeando cuidado

Parteiras, rezadeiras, benzedeiras, raizeiras, remedieiras, curadoras… Quem são essas que semeiam a cultura do cuidar? Que semeiam a cultura da saúde, do respeito pela vida, da atenção, da capacidade de observar, enxergar e escutar o outro?

Cuidar, curar. Mas a velha senhora, que oferece o bem, nem sempre é vista por esta perspectiva. Feiticeira? E o preconceito pode gerar o medo, a denúncia. Sem conhecimento técnico? E o avanço científico e tecnológico pode gerar o desprezo. E tudo isso junto: estimular o silenciamento e o esquecimento de práticas e saberes preciosos não só para os indivíduos, mas para a manutenção e equilíbrio de culturas e grupos sociais.

O reconhecimento dos saberes e da espiritualidade

Houve um tempo em que os curadores cuidavam do corpo, da mente e da alma como parte de um mesmo sistema. Mas a História caminhou e o sobrenatural se recolheu diante da expansão do materialismo, que passou a enxergar a saúde como ausência de sintomas – num enfoque exclusivamente biológico, de desconsideração à complexa rede de aspectos e relações que compõe a vida humana neste planeta.

E, como a História não pára, novos processos de expansão e recolhimento se alternaram, e o conceito de saúde foi recuperando sua elasticidade. Em 1946, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde – OMS, o definiu como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Mais adiante, em 1984, propôs a inclusão da dimensão espiritual.

Nesta mesma direção, a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, reconheceu em sua Agenda 21 o direito ao desenvolvimento físico, mental e espiritual das pessoas. Também nesta conferência, a ONU reconheceu e valorizou o conhecimento sobre o meio ambiente e as práticas tradicionais dos povos indígenas – tantas vezes marginalizados no âmbito das relações internacionais.

Hoje, portanto, são inúmeros os estudos, declarações e políticas nacionais e internacionais que entrelaçam os caminhos da ciência, da espiritualidade, dos saberes tradicionais em busca de ampliar o conhecimento, melhorar a qualidade de vida da população e preservar o meio ambiente. Destacamos, aqui, apenas alguns poucos exemplos.

 (continua)

[Estes conteúdo e imagem foram retirados do livro “Mulheres Semeadoras de Cultura”, co-autoria de Cecílio Elias Netto, Arnaldo Branco Filho e Patrícia Fuzeti Elias. Saiba mais sobre esta e outras obras publicadas pelo ICEN.]

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