As velhas profissões estão chegando ao fim?

O texto abaixo foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Preservamos datas, idades, comentários e escrita originais do texto.

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Ao mesmo tempo em que a sociedade se moderniza e a tecnologia começa a substituir trabalhos manuais e artesanais, velhas e antigas profissões caminham rumo à extinção. Isso é uma verdade ou, ainda que os tempos modernos se sofistiquem ainda mais, sempre haverá quem saiba fazer aquilo que precisará ser feito se as máquinas pararem? Especular ou raciocinar sobre hipóteses não adianta. O importante é ouvir o que têm a dizer os velhos profissionais de serviços que podem estar chegando ao fim…

Piracicaba ainda tem esses velhos artistas de profissões essenciais para o cotidiano das pessoas. O que pensam, como estão, como reagem aos novos tempos?

Ezequias de Almeida e Silva vai fazer 80 anos. Aposentado há 20, trabalhou cerca de 50 anos como seleiro. Seu pai, João Euxóxio da Silva, foi dono da extinta Selaria Aurora. Aposentado na fábrica Boyes, onde executava principalmente o conserto de correias, Ezequias disse que sua profissão era muito comum na década de 20.

“Hoje a montaria é encarada mais como um esporte”, e neste sentido disse que nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro existem ótimas selarias. Acha que o progresso fez com que a profissão perdesse o seu valor: “hoje carroças não podem passar pelo centro, pois atrapalham o trânsito”, conclui.

Quem já pensou em mandar fazer um terno, provavelmente já ouviu falar dos alfaiates “Dito” e “Zé Barata”. Benedito Julio Corrêa atua nesse ramo há cerca de 50 anos. Segundo ele, a lei proíbe crianças de trabalharem no ofício, havendo ainda o desinteresse por parte delas, ao contrário do que ocorreu com ele.

Realizado profissionalmente, Dito vê então a falta de mão-de-obra gerar o desaparecimento gradual do alfaiate, e explicou o que é a “mágoa do alfaiate”: se um médico comete um erro e o paciente morre, trata-se de uma infelicidade; já se o alfaiate se engana, é criminoso para o resto da vida. “Já aconteceu comigo e quem disser que isso não ocorre, tenha certeza que é mentira!”, diz.

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Já o “Zé Barata”, ou José Ante Domênico, é alfaiate aposentado há 4 anos, mas continua trabalhando em sua residência. Tendo 59 de idade, ficou 38 anos estabelecido comercialmente e se iniciou na profissão bem criança.

Nas décadas de 50 e 60, o terno era muito exigido — “não se ia ao cinema sem ele”. Hoje os costumes são outros, e segundo o alfaiate os homens que encomendam esse tipo de roupa geralmente o fazem para uma data programada, como casamentos e compromissos importantes.

Zé afirmou que o número de profissionais diminui a cada ano, devido ao constante processo de industrialização das roupas. “Normalmente quem procura seu serviço são pessoas que já estão acostumadas com meu trabalho há algum tempo”. Disse que os jovens têm como outra opção o “blazer”, que substitui o terno.

O profissional explicou que sua classe está se desunindo cada vez mais, ao contrário da época em que existia a Associação dos Alfaiates, com sede em São Carlos. Todo ano, dia 6 de setembro (dia do alfaiete), realizava-se grande comemoração com fogos, almoço e futebol entre os que trabalhavam e os aposentados.

Zé Barata contou ainda uma história: quando foi construída a Caterpillar, um americano procurava os serviços de um alfaiate, e lhe indicaram o “Barata”. Com sotaque e assustado, ele disse: “Barata? Eu vou é no Domênico!”, lembrando-se do inseto ao invés do apelido.

FABRICANDO VIOLINOS 

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Desde que era jovem, Nelson Polizel tinha vontade de aprender a fazer violinos. Depois de muito tempo de pesquisa e estudo, e com a ajuda de um modeIo italiano, em 1982 começou a produzir testes com madeiras de espécies diferentes.

No mesmo ano, passou a estudar violino, pois percebeu que deveria aliar noções de música aos seus conhecimentos de marcenaria, tintas e vernizes. Referindo-se à sua profissão, Nelson disse que gosta muito do que faz, “pois dá muito trabalho”. Emocionado, afirmou que no final do mês irá ao concerto de um músico cujo violino foi por ele produzido, e o evento será no Teatro Cultura Artística de S. Paulo.

Você está curioso em saber qual é o preço do instrumento? Nelson Polizel tem prontos 3 violinos, que até dezembro custam 500 dólares cada. Segundo Nelson, a partir de 88 devem ser estabelecidos novos preços e prazos de entrega.

Questionado sobre uma provável extinção de sua profissão, Polizel prefere considerá-la rara, científica. Disse que, hoje em dia, visa-se muito ao lucro comercial das coisas, ao passo que o violino exige o máximo de capricho de seu fabricante, pois seu som deve ser perfeito. Portanto, não pode ser vendido em larga escala, afirma.

Já Orlando Castelari, barbeiro há 40 anos, concorda que sua profissão está acabando. Apontou como motivo principal o preconceito existente entre os jovens, que não querem passar toda a sua vida nessa atividade. Segundo ele, não se fica rico, mas sempre é possível ter um dinheirinho no bolso. “E a grande vantagem é estar sempre por dentro das fofocas”, conclui.

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A OPINIÃO DOS SAPATEIROS 

Antonio Carlos Sândalo acha que a procura por seu tipo de trabalho está no fim, “pois principalmente os jovens não vão se sujeitar a sujar as mãos toda hora”. Segundo ele, quem tem estudo hoje dificilmente vai querer ser sapateiro.

Explica que está na profissão porque realmente gosta, e o lucro obtido é estável, não compensando financeiramente. Citou ainda que é comum atualmente o uso de “courvin” nos calçados. Material plástico que imita o couro, mas estraga com facilidade, o que implica na baixa qualidade de tais sapatos.

Em seu depoimento, Antonio Galli, sapateiro aposentado como titular de fábrica, concorda que o profissional do ramo está desaparecendo, “Isso só não acontece em Franca”, cidade famosa por seus calçados.

Sua fábrica era em Ribeirão Preto, a qual disse ter encerrado porque “não dava futuro”. Apesar disso mantém uma sapataria na cidade. Também não incentivou seu filho a seguir carreira, já que considera impossível a obtenção de lucro no ramo. “Dá para sobreviver apenas”, diz. Tanto Antonio Galli como Antonio Sândalo afirmaram que hoje os serviços mais procurados a meia sola e a troca de salto.

O engraxate 

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Por sua vez, José Ramos é engraxate e tem 66 anos, há 30 na profissão. Disse que escolheu esse tipo de trabalho porque tinha problemas cardíacos e não podia fazer esforços; comprou então uma “banca” em São Carlos.

Depois veio para Piracicaba, ficando até hoje. Afirmou que as dificuldades existem como em qualquer profissão, e no seu caso considera importante tratar a clientela com cortesia: “nunca perdi um freguês”. Vê a sua profissão acabar com o tempo, pois segundo ele, os adultos acham uma vergonha alguém ser engraxate.

Acha que os meninos que trabalham nisso relaxam muito no serviço, e finaliza dizendo que se sente contente com a profissão, mas se tivesse chance de escolha teria sido dono de quitanda.

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