A cana é doce, mas a fome é amarga

O texto abaixo foi publicado em setembro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

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“Piracicaba que eu adoro tanto, cheia de flores, cheia de encantos…”.

Os encantos vão bem, obrigado. Mas as flores certamente deram lugar a uma produção de aproximadamente dez mil toneladas de cana por safra, plantadas por mais de quatro mil fornecedores de Piracicaba e região. É cana por tudo quanto e lado, que somadas ocupam uma área de 140 mil hectares que deram a Piracicaba o título de segunda maior região canavieira do estado de São Paulo, depois de Ribeirão Preto.

Mas títulos a parte, a monocultura, que envolve diretamente cerca de quatro bilhões de cruzados, com uma arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) de cerca de cz$ 700 milhões na região, tem reflexos diretos no bolso do piracicabano que se vê obrigado a consumir produtos agrícolas da região e de outras cidades.

Para se ter uma idéia, no ano passado foram comercializadas no Ceasa local 48.531 toneladas entre cereais, verduras, legumes e frutas. Segundo dados do responsável peIo entreposto, Carlos Alberto da Silva, deste total Piracicaba participou produzindo apenas 10,69 por cento de frutas, 15,56 por cento de legumes, 12,83 por cento de cereais, e 56,67 por centro de verduras. O restante foi importado de outras cidades, ocasionando uma elevação nos preços de até 20 por cento, devido ao frete.

“O consumidor é o que mais sofre”. – afirma Carlos Alberto que chama a Ceasa local carinhosamente como “Ilhana” (um prédio de concreto cercado de cana por todos os lados). Ele aponta a falta de “vontade” dos setores competentes da cidade, entre eles, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz — ESALQ/ USP, a Casa da Agricultura, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada (CATI), Campinas, e da própria Ceasa, em reverter o quadro, através de apoio e incentivo ao pequeno produtor que está com “o espaço tão reduzido que não tem mais como reclamar”. “O pequeno produtor está cada vez mais sufocado pela cana” — afirma, reclamando do grande incentivo que a monocultura encontra. “O produtor de cana vai ao banco e arranca milhões e milhões, além de contar com o apoio da tecnologia”, disse.

Já nos seis varejões da cidade, o consumo mensal de hortifrutigranjeiros chega a 700 toneladas ao mês, ou, 188.850 quilos por semana. A zona oeste de Piracicaba produziu na safra deste ano 3.240 toneladas de arroz, numa área plantada de 1.500 hectares. De milho, a produção foi maior: 7.350 toneladas, em 3.500 hectares.

Como se vê, os dados indicam uma situação grave, onde a principal prejudicada é a população. A reversão do quadro está nas mãos das lideranças políticas da cidade.

BB financia, mas quem sabe?

Muita pouca gente sabe, mas o Banco do Brasil criou o crédito rural em 1937 e até hoje financia tudo: lavouras, máquinas agrícolas, telefonia, eletrificação, correção da terra, implementos. O leque é bem abrangente e o objetivo principal é afixação do homem no campo. A afirmação é do gerente do BB da Vila Rezende, Antonio Massariol, que lembra entusiasmado do tempo em que o fumo de Bairrinho, localizado a poucos quilômetros de Piracicaba, era conhecido em muitas cidades brasileiras, ou de quando a criação do bicho da seda era a principal atividade de Charqueada. “Isso pode voltar a acontecer” disse, frisando que, além do lado comercial, o BB se preocupa muito com o aspecto social. “Temos o máximo interesse em criar novos empregos”, afirma.

O Banco do Brasil, segundo o gerente, financia qualquer tipo de lavoura e o crédito varia de acordo com a cultura a ser plantada. A preocupação da diretoria é que o custo do financiamento seja o menor possível para o produtor e, para isso, oferece o acompanhamento técnico de engenheiro agrônomo, que não interfere na técnica do produtor, mas ajuda a detectar qualquer tipo de problema que possa resultar em prejuízo.

“O Banco do Brasil não tem Interesse em quebrar ninguém” — afirma o gerente, explicando como funciona o empréstimo. Por exemplo: se o produtor tem interesse em cultivar hortaliças e o ciclo de produção for de quatro meses, ele pagará o empréstimo depois da colheita, com juros baixos que começam a ser contados a partir do dia em que o empréstimo for contraído. A garantia que o banco pede é a própria lavoura. Se houver prejuízo por causa do tempo, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – Proagro, cobre cerca de 80 por cento do valor da perda.

Segundo o gerente, este programa do Banco do Brasil não tem muita divulgação na região de Piracicaba pelo interesse em se manter a monocultura de cana-de-açúcar. Mas ele observa que o produtor pode usufruir o financiamento para a intercalação de alimentos na cultura da cana, plantando, por exemplo, o amendoim ou, então, para outros rendimentos plantando hortaliças. O importante é observar que o produtor vai pagar o Banco do Brasil com os rendimentos que ele conseguir com a comercialização do produto.

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